Depois do batismo, o Espírito de Deus toma conta de
Jesus e o empurra para o deserto, onde ele se prepara para a missão (Mc
1,12s). Marcos diz que Jesus esteve no deserto 40 dias e que foi
tentado por Satanás. Em Mateus 4,1-11 se explicita a tentação: tentação
do pão, tentação do prestígio, tantação do poder. Foram três tentações
que derrubaram o povo no deserto, depois da saída do Egito (Dt 8,3;
6,16; Dt 6,13). Tentação é tudo aquilo que afasta alguém do caminho de
Deus.
Orientando-se pela Palavra de Deus, Jesus enfrentava
as tentações e não se deixava deviar (Mt 4,4.7.10). Ele é igual a nós
em tudo, até nas tentações, menos no pecado (Hb 4,15). Inserido no meio
dos pobres e unido ao Pai pela oração, fiel a ambos, ele resistia e
seguia pelo caminho do Messias-Servidor, o caminho do serviço a Deus e
ao povo (Mt 20,28).
ALARGANDO
A semente da Boa Notícia, o início do anúncio do Evangelho na América Latina
Marcos inicia dizendo como foi o começo. Você
esperaria de Marcos uma data bem precisa. Em vez disso, recebe uma
resposta aparentemente confusa. Para descrever esse começo, Marcos cita
Isaías e Malaquias (Mc 1,2-3). Fala de João Batista (Mc 1,4-5). Alude
ao profeta Elias (Mc 1,4). Evoca a profecia do Servo de Javé (Mc 1,11) e
as tentações do povo no deserto, depois da saída do Egito (Mc 1,13).
Você pergunta: "Mas afinal, o começo foi quando: na saída do Egito, no
deserto, em Moisés, em Elias, em Isaías, em Malaquias, em João
Batista?" O começo, a semente pode ser tudo isso ao mesmo tempo. O que
Marcos quer sugerir é que olhemos a nossa história com outros olhos. O
começo a semente da Boa Nova de Deus, está escondida dentro da vida da
gente, dentro do nosso passado, dentro da história que vivemos.
O começo da Boa Nova na América Latina está
escondido na resistência e no despertar das etnias indígena e negra,
que buscam vida, dignidade e liberdade para todos. Resgatando a sua
história e reconhecendo os valores éticos presentes na cultura do seu
povo, os indígenas se unem aos descendentes afro e a todas as pessoas
que sofrem injustiça e discriminação. As mulheres despertam como
sujeito de um novo tempo, descontruindo velhos padrões de comportamento
e gerando uma nova consciência.
No campo e na cidade o MST vem demonstrando uma nova
capacidade de organização e articulação. Apesar da propaganda
contrária da TV, revistas e jornais, o MST gera um debate nacional
sobre pontos fundamentais para uma política agrícola. Surge uma nova
sensibilidade ecológica e cresce a consciência de cidadania. O grande
desejo de participação transformadora, que a discussão e debate dos
problemas sociais vêm provocando, se expressa no voluntariado de
jovens, pessoas desempregadas, aposentadas... Até mesmo daquelas que em
meio ao trabalho e ao estudo ainda encontram tempo para entregar-se
gratuitamente ao serviço dos outros.
A busca de novas relações de ternura, respeito,
ajuda mútua e intercâmbio vem crescendo. Há uma indignação do povo
frente à corrupção e à violência. Há algo que vai nascendo dentro de
cada pessoa, algo novo, que não permite mais a indiferença diante dos
abusos políticos, sociais, culturais, de classe e de gênero. Há uma
nova esperança, um novo sonho, um desejo de mudança. Resgata-se a
utopia de construir uma sociedade nova, onde haja espaço de vida e de
participação para todas as pessoas.
O anúncio da Boa Nova de Deus na América Latina será
realmente Boa Notícia se apontar para esta novidade que está
acontecendo no meio do povo. Ajudar a abrir os olhos para essa
novidade, comprometer as comunidades de fé na busca pela utopia é
reconhecer a presença libertadora e transformadora de Deus agindo no
dia-a-dia de nossa vida.
O povo da Bíblia tinha esta convicção: Deus está
presente na nossa vida e na nossa história. Por isso, eles se
preocupavam em lembrar os fatos e as pessoas do passado. Pessoa que
perde a memória perde a identidade, ela já não sabe de onde vem nem
para onde vai. Eles liam a história do passado para aprender a ler a
história deles e descobrir dentro dela os sinais e os apelos da
presença de Deus. É o que Marcos fez aqui no início do seu evangelho.
Ele tira o véu dos fatos e aponta um fio de esperança que vinha desde o
êxodo, desde Moisés, passando pelos profetas Elias, Isaías e
Malaquias, pelos servidores do povo, até chegar em João Batista, que
aponta Jesus como aquele que realizará a esperança do povo.
Fonte: Caminhando com Jesus | Carlos Mesters, Mercedes Lopes. PNV 182/183
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