sábado, 19 de setembro de 2015

“Se alguém quer me seguir, tome a sua cruz, renuncie a si mesmo e me siga” (Mc 8, 27-35) [Pe. Thomas Hughes] blog pjoteiro


Nesta reflexão temos a história do caminho de Cesareia de Felipe. Embora de grande importância também em Mateus e Lucas, o relato mais original está no evangelho de Marcos, Cap. 8, o qual se torna o pivô de todo o Evangelho.

"Quem diz o povo que eu sou?"

A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta bastante inócua: “quem dizem os homens que eu sou?” Assim, chovem respostas, pois esta pergunta não compromete - é o “diz que...” Mas a segunda pergunta traz a “facada”: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Agora não vêm muitas respostas, pois quem responde em nome pessoal, e não dos outros, se compromete! Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: “Tu és o Messias”. Aparentemente, Pedro acertou, e realmente, na versão mateana, Jesus confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi através de uma revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, para que entendamos bem o trecho, é importante que continuemos a leitura pelo menos até o v. 35, porque o assunto é mais complicado do que possa parecer.

"Filho do Homem"

Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo e as expectativas do povo do seu tempo, inclusive os discípulos. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, que teria como consequência ser preso, torturado e assassinado, e dar a vida em favor de muitos. Usando o título messiânico “Filho de Homem” - que vem de Daniel 7, 13ss - Jesus confirmou que era o Messias, mas não do jeito que Pedro esperava. Este, conforme as expectativas correntes no seu tempo, esperava um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir, e levar os seus seguidores com ele, até a Cruz.  Por isso, Pedro contesta Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. E como recompensa ganha uma das frases mais duras da Bíblia: “Afasta-se de mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (v. 33). Pedro, cuja proclamação de fé parecia ser tão acertada, é agora chamado de Satanás - o Tentador por excelência! Pedro tinha os títulos certos para Jesus, mas a prática errada! Usando os nossos termos de hoje, de uma forma um tanto anacrônica, podemos dizer que ele tinha ortodoxia mas não ortopraxis!

"Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me."

Assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor d’Ele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (v. 34). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática, uma adesão à sua pessoa e missão, que leva ao seguimento d’Ele na construção do seu projeto, até às últimas consequências.

Hoje, dois mil anos depois, a pergunta de Jesus ressoa forte - a segunda pergunta. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para o Papa ou o Pastor, mas para cada um de nós pessoalmente? No fundo a resposta se dá, não com palavras, mas pela maneira em que vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus - Ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente (Jo 10, 10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do equívoco de Pedro, a de termos a doutrina e a teoria certas, mas a prática errada!
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“Se alguém quer ser o primeiro deve ser o último, aquele que serve a todos” (Mc 9, 30-37) [ Thomas Hughes]


Na estrutura do Marcos, depois da chamada “Crise Galilaica”, manifestada no episódio da Estada em Cesareia de Felipe, Jesus muda totalmente de tática e estratégia. Ele não anda mais com as multidões, quase não faz mais milagres - dos 19 milagres em Marcos, somente dois são realizados após o acontecimento em Cesareia. Em lugar disso, Ele se dedica à formação dos seus discípulos, tentando inculcar neles as atitudes de verdadeiros discípulos, ensinando-os que o caminho d’Ele é o caminho da Cruz, da entrega, da doação, e não da busca do poder, da glória ou da fama. Marcos demonstra isso de uma maneira bem organizada. Em três ocasiões, Jesus anuncia a sua futura paixão (8, 81; 9, 31; 10, 33-34). Em cada ocasião os discípulos não compreendem (8, 32; 8, 34; 10, 35-37), e a partir dessas incompreensões Jesus dá um ensinamento, aprofundando vários aspectos do verdadeiro seguimento d’Ele (8, 34-38; 9, 35-37; 10, 38-45).
O trecho em questão trata do segundo desses três acontecimentos. A coragem da dificuldade é a tentação do poder. Embora Jesus tenha deixado bem claro, pela segunda vez, que o seguimento d’Ele é uma vida de entrega, até à morte, em favor dos outros, os Doze discutem entre si qual deles seria o maior! O poder é tentação permanente em todas as comunidades, não isentando as Igrejas! Podemos até dizer, com certa dose de humor, que a busca de poder está no DNA das pessoas humanas! Talvez mais do que qualquer outro motivo, a sede do poder tem sido o que mais tem corrompido nas Igrejas - mais ainda do que a imoralidade ou a ganância financeira. No século dezenove o estadista e historiador católico inglês Lord Acton falou que “todo poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente” - e não há poder mais perigoso do que o religioso, exercido em nome de Deus!
Quantos sofrimentos e males são causados por essa sede de poder, disfarçada como mandato de Deus! Desde o fundamentalismo fanático do Talibã no Afeganistão, até a ufania de certos padres - mormente recém ordenados - que se ostentam com roupas finas e carros do ano e, de uma maneira opressora, dominam religiosas e leigos de muito mais experiência e sabedoria do que eles... a sêde de poder e de dominação, sempre em nome de Deus ou de Jesus, continua a distorcer a vida de muitas comunidades religiosas, dentro e fora do Cristianismo. No fundo é por isso que certos setores da Igreja se colocam frontalmente ou veladamente contra o Papa Francisco.  Como escreveu o teólogo dominicano sul-africano Alberto Nolan OP, “Jesus tem sido mais frequentemente honrado e venerado por aquilo que ele não significou, do que por aquilo que ele realmente significou. A suprema ironia é que algumas das coisas, às quais Ele mais fortemente se opôs na sua época, foram ressuscitadas, pregadas e difundidas mais amplamente através do mundo – em seu nome.” O poder-dominação é frequentemente um desses elementos.
Diante da recusa dos seus discípulos em entender o seu ensinamento, Jesus, o Servo de Javé, pega uma criança como símbolo de quem deve segui-Lo. Não porque criança é sempre santa nem inocente! Mas porque é sem-poder, dependente dos adultos em tudo. No tempo de Jesus, criança não tinha direitos, e estava entre os últimos da sociedade. Os seus discípulos são convidados a despojar-se do poder para serem servos, da mesma maneira que o Mestre, Ele que “não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte da cruz” (Fl 2, 6-8).
O poder em si é um bem - para ser usado a serviço dos outros! Todos nós - clero, religiosos/as, leigos/as - somos vulneráveis diante da tentação do poder. Levemos a sério o ensinamento de hoje, pois só pode ser discípulo de Jesus quem procura ser servo/a de todos! Evitemos títulos, privilégios, e comportamentos que tão facilmente poderão nos afastar do seguimento do Senhor. Que o nosso modelo seja sempre Ele - e não a sociedade vigente, onde é o poder que manda. A nossa força vem da Cruz de Jesus, a fraqueza do Deus “que escolheu o que o mundo despreza, acha vil e sem valor, para destruir o que o mundo pensa que é importante” (1Cor 1, 28).

Teologia da Libertação e as perspectivas para uma teoria ainda incompreendida blog pjoteiro


Desde que surgiu, na América Latina, na década de 1960, a Teologia da Libertação (TdL) tem promovido o debate sobre os pobres e oprimidos e sua importância principalmente para a Igreja Católica. Para os críticos, a corrente significa uma politização indevida da fé, para os defensores o modelo, representa, além de uma revolução espiritual e cultural, a reapropriação da Palavra de Deus pelos pobres.

Apesar das reflexões consideradas "revolucionárias” e "comunistas”, a TdL sempre provocou a oposição da ala mais conservadora da Igreja, desde a sua origem, com o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez. Um dos expoentes da TdL no Brasil, Leonardo Boff, por exemplo, já foi condenado pelo Vaticano a um ano de "silencio obsequioso”.

Com mais de 50 anos de existência, a corrente já passou por algumas gerações de teólogos e teólogas, que seguem renovando a "opção pelos pobres”. Após os anos de 1990, no entanto, a TdL atravessou um período de declínio e o envelhecimento de suas lideranças. Porém, com o Papa Francisco redirecionando o foco cristão para os pobres e oprimidos, a corrente retorna aos debates envolvendo a Igreja.

Sob a perspectiva da TdL, os pobres já não são vistos como meros objetos de caridade, mas como sujeitos de sua história e de sua emancipação.

Um exemplo das atuais discussões é o II Congresso Continental de Teologia, organizado pela rede católica Amerindia, a ser realizado em Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais - Brasil), de 26 a 30 de outubro de 2015. Com o tema a "Igreja que caminha com Espírito e a partir dos pobres”, o encontro deve reunir teólogos/as e comunidades cristãs das Américas para aprofundar as reflexões sobre a reforma da Igreja, estruturando propostas para um "fazer cristão em comunidade”, e com a opção pelos pobres.

Ecumenismo: Ninguém é dono de Jesus (Mc 9,30-37) [Mesters e Lopes] blog pjoteiro


Abrir os olhos para ver
O texto de Evangelho que meditaremos no próximo domingo traz uma grande incoerência da parte dos discípulos de Jesus. Enquanto Jesus anunciava a sua paixão e morte, os discípulos discutiam entre si quem deles era o maior. Jesus queria servir, eles só pensavam em mandar! A ambição os levava a querer subir às custas de Jesus. Vamos conversar sobre isto.
Situando
Esta reflexão traz o segundo anúncio da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Como no primeiro anúncio - Mc 8, 27-38 -, os discípulos ficam espantados e com medo. Não entendem a palavra sobre a cruz, porque não são capazes de entender nem de aceitar um Messias que se faz empregado e servidor dos irmãos. Eles continuam sonhando com um messias glorioso. O texto ajuda a perceber algo da pedagogia de Jesus. Mostra como ele formava os discípulos, como os ajudava a perceber e a superar o "fermento dos fariseus e de Herodes".
Tanto na época de Jesus como na época de Marcos, havia o fermento da ideologia dominante. Também hoje, a ideologia da propagandas do comércio, do consumismo, das novelas influi profundamente no modo de pensar e de agir do povo. Na época de Marcos, nem sempre as comunidades eram capazes de manter uma atitude crítica frente à invasão da ideologia do império. A atitude de Jesus com relação aos apóstolos, descrita no evangelho, as ajudava e continua ajudando a nós hoje.
Comentando

Como seguir Jesus (Mc 8,27-35) [Mesters e Lopes] blog pjoteiro

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Esta reflexão descreve a cegueira de Pedro que não entende a proposta de Jesus quando este fala do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como messias, mas não como messias sofredor. Ele está influenciado pela propaganda do governo da época que só falava do messias como rei glorioso. Pedro parecia cego. Não enxergava nada e ainda queria que Jesus fosse como ele, Pedro, o queria. Vamos conversar sobre isto!

SITUANDO
No início deste quarto bloco estão a cura de um cego - Mc 8,22-26 -, o anúncio da cruz e a explicação do seu significado para a vida dos discípulos - Mc 8, 27 a 9,1. A cura do cego foi difícil. Jesus teve que realizá-la em duas etapas. Igualmente difícil foi a cura da cegueira dos discípulos. Jesus teve que fazer uma longa explicação a respeito do significado da cruz para ajudá-los a enxergar, pois era a cruz que estava provocando neles a cegueira.
Nos anos 70, quando Marcos escreveu, a situação das comunidades não era fácil. Havia muito sofrimento, muitas cruzes. Seis anos antes, em 64, o imperador Nero tinha decretado a primeira grande perseguição, matando muitos cristãos. Em 70, na Palestina, Jerusalém estava sendo destruída pelos romanos. Nos outros países, estava começando uma tensão forte entre judeus convertidos e judeus não-convertidos. A dificuldade maior era a cruz de Jesus. Os judeus achavam que um crucificado não podia ser o messias tão esperado pelo povo, pois a lei afirmava que todo crucificado devia ser considerado como um maldito de Deus (Dt 21,22-23).

COMENTANDO
Marcos 8, 27-30: VER - levantamento da realidade
Jesus perguntou: ''Quem diz o povo que eu sou?'' Eles responderam relatando as várias opiniões do povo: ''João Batista'', ''Elias ou um dos profetas''. Depois de ouvir as opiniões dos outros, Jesus perguntou: ''E vocês, quem dizem que eu sou?'' Pedro respondeu: ''Tu és o Cristo, o Messias''. Isto é, és aquele que o povo está esperando. Jesus concordou com Pedro, mas proibiu de falar sobre isso ao povo. Por que Jesus proibiu? É que naquele tempo, todos esperavam a vinda do messias, mas cada um do seu jeito: uns como rei, outros como sacerdote, doutor, guerreiro, juiz ou profeta. Ninguém parecia estar esperando o messias servidor, anunciado por Isaías (Is 42,1-9).
Marcos 8,31-33: JULGAR - esclarecendo a situação - primeiro anúncio da paixão
Jesus começa a ensinar que ele é o Messias Servidor e afirma que, como o Messias Servidor anunciado por Isaías, será preso e morto no exercício da sua missão de justiça. Pedro leva um susto, chama Jesus de lado para desconcertá-lo. E Jesus responde a Pedro: ''Vá embora, Satanás''. Você não pensa as coisas de Deus, mas as dos homens''. Pedro pensava ter dado a resposta certa. De fato, ele disse a palavra certa ''Tu és o Cristo''. Mas não lhe deu o sentido certo. Pedro não entendeu Jesus. Era como o cego de Betsaida. Trocava gente por árvore. A resposta de Jesus foi duríssima ''Vá embora, Satanás''. Satanás é uma palavra hebraica que significa acusador, aquele que afasta os outros do caminho de Deus. Jesus não permite que alguém o afaste da sua missão.
Marcos 8, 34-47 - AGIR - condições para seguir
Jesus tira as conclusões que valem até hoje - Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me. Naquele tempo, a cruz era a pena de morte que o Império Romano impunha aos marginais. Tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus era o mesmo que aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. A cruz não é fatalismo, nem é exigência do Pai. A cruz é a consequência do compromisso livremente assumido por Jesus de revelar a Boa Nova de que Deus é Pai e que, portanto, todos e todas devem ser aceitos e tratados como irmãos e irmãs. Por causa deste anúncio revolucionário, ele foi perseguido e não teve medo de dar a sua vida. Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão.

Texto extraido do livro ''CAMINHANDO COM JESUS'' - Círculos Bíblicos do Evangelho de Marcos - Coleção A Palavra na Vida 184/185. CEBI Publicações.  blog pjoteiro

Acolhendo as/os excluídas/os - A mulher Cananeia ajuda Jesus a descobrir a vontade do Pai blog pjoteiro

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Na reflexão do evangelho a ser proferido no próximo domingo, 06/09, veremos como Jesus atende a uma mulher estrangeira de outra raça e de outra religião, o que era proibido pela lei religiosa daquela época. Inicialmente, Jesus não queria atendê-la, mas a mulher insistiu e conseguiu o que queria: a cura da filha. Vamos conversar sobre isto.

1.    No bairro onde você vive tem gente de outras religiões? Quais? Você conversa normalmente com pessoas de outra religião?

2.    Como você faz, concretamente, para conviver em paz com pessoas de outras igrejas cristãs ou com espíritas?

Situando

1.    Jesus vai tentando abrir a mentalidade dos discípulos e do povo para além da visão tradicional. Na multiplicação dos pães, ele tinha insistido na partilha (Mc 6,30-44). Na discussão sobre o puro e o impuro, tinha declarado puros todos os alimentos (Mc 7,1-23). Agora, neste episódio da mulher Cananeia, ele ultrapassa as fronteiras do território nacional e acolhe uma mulher estrangeira que não era do povo e com a qual era proibido conversar. Estas iniciativas de Jesus, nascidas da sua experiência de Deus como Pai, eram estranhas para a mentalidade do povo da época. Cresce para eles o mistério, aparece o não-entender.

2.    A abertura crescente de Jesus era uma ajuda muito importante para as comunidades do tempo de Marcos. Elas eram um grupo pequeno, perdido naquele mundo hostil do Império Romano. Quando um grupo é minoria, sofre a tentação de se fechar sobre si mesmo. A atitude de abertura de Jesus era um estímulo para as comunidades não se fecharem, mas manterem bem viva a consciência missionária de anunciar a Boa-nova de Deus a todos os povos, como Jesus tinha pedido com tanta insistência.
 
Comentando

Jesus faz bem todas as coisas (Mc 7,31-37) [Pe. Thomas Hughes]

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Os eventos relatados no texto de hoje situam-se no território pagão de Tiro e Sidônia (hoje, Líbano). Marcos faz questão de sublinhar o contexto geográfico - talvez para enfatizar a missão aos gentios (pagãos) que marcava a sua Igreja. Mais uma vez estamos diante de um milagre de Jesus que manifesta o poder de Deus que age n’Ele, que causa espanto e alegria entre as testemunhas, e que leva Jesus a proibir que a notícia se espalhe no território.

Em si, o relato segue o roteiro de tantos outros - uma pessoa sofrida (neste caso sofrendo de surdez e incapaz de falar corretamente), a compaixão da parte de Jesus que o leva a atender o pedido de uma cura, a cura em si, a proibição de espalhar a notícia (o chamado “Segredo Messiânico”) e a incapacidade das testemunhas de guardar o segredo.

A violação da proibição por parte da multidão traz à tona a questão da verdadeira identidade de Jesus, dando a impressão de que Ele é muito mais do que um simples curador! As palavras que expressam o entusiasmo da multidão diante d’Ele (7, 37) são tiradas de uma seção apocalíptica de Isaías, sugerindo que, nas atividades de Jesus, o Reino de Deus se faz presente.

Mais uma vez o Segredo Messiânico em Marcos nos faz perguntar sobre o seu sentido. Provavelmente faz parte da insistência de Marcos de que Jesus é mais do que um taumaturgo ou milagreiro, e que a sua verdadeira identidade só se revelará na sua Cruz e Ressurreição. Pois é somente lá, e não diante dos milagres, que Jesus é proclamado “Filho de Deus” por uma pessoa humana - o oficial que exclamou ao pé da Cruz, vendo como Jesus havia expirado: “De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus” (Mc 15, 39). Para Marcos, uma fé baseada nos milagres é sempre ambígua, pois pode levar ao seguimento de Jesus por motivos errôneos, interesseiros e duvidosos. Para corrigir essa tendência na sua comunidade, ele insiste que só se pode proclamar Jesus com o título messiânico “Filho de Deus” ao pé da Cruz, onde não há lugar para dúvidas, pois só se pode crer na fraqueza de Deus, como diria Paulo, que é mais forte do que a força humana (1Cor 1, 25).  Um alerta para muitos cristãos hoje!

A proclamação das testemunhas que Jesus “fez os surdos ouvir e os mudos falar” alude a Is 35, 5-6, que faz parte da visão apocalíptica do futuro glorioso de Israel (Is 34-35, relacionado com Is 40-66). O uso aqui deste texto vétero-testamentário indica que o futuro glorioso do novo Israel já está presente no ministério de Jesus.

Podemos ver um sentido mais simbólico para os nossos dias na cura relatada - o de abrir os ouvidos e soltar as línguas. Pois, o sistema hegemônico de hoje, e os meios de comunicação, frequentemente atrelados e coniventes, procuram em geral tapar os ouvidos do povo diante dos gritos dos sofridos; pois, fazem questão de camuflar a realidade sofrida de milhões, escondendo a realidade ou banalizando-a, como fica claro na maioria dos noticiários de televisão. Também as forças dominantes deixam cada vez mais os excluídos sem voz - só pode ter voz ativa quem produz e consome, na nossa sociedade materialista e consumista. Diante da surdez e mudez físicas, Jesus cura! O Evangelho e a atividade evangelizadora das igrejas devem ajudar as pessoas para que ouçam o grito dos oprimidos e para que ajudem a devolver a voz àqueles a quem lhes foi tirada. Dia 7 de setembro é o dia do Grito dos Excluídos - uma maneira de as Igrejas e todas as pessoas de boa vontade assinalarem que a nossa luta está em favor dos excluídos e menos favorecidos.

“Jesus fez bem todas as coisas - fez os surdos ouvir e os mudos falar!” Que se possa dizer isso de todas as Igrejas que ajudamos a devolver a capacidade de ouvir os gemidos dos sofredores a tantas pessoas ensurdecidas pela ideologia dominante, e que ajudamos os sem-voz a recuperar a voz ativa, nas decisões das Igrejas e da sociedade em geral.