segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Todos recebemos algum dom de Deus. Para que servem os dons? (Mateus 25,14-30) [Lopes, Mesters e Orofino]



Marisa Thozzi, biblista e assessora do CEBI Grande SP, comenta a intenção original de Jesus, ao contar a parábola dos talentos, proposta para a liturgia deste final de semana.

Uma foi a intenção original da parábola quando Jesus a contou. Outra foi a intenção das comunidades, feita posteriormente como catequese, quando fazem dela uma interpretação alegórica.

Originalmente, Jesus denuncia os gananciosos inescrupulosos e ávidos por lucro, dos quais a Palestina e todo o império romano estavam repletos. Jesus está denunciando a crueldade do sistema econômico, onde lucros eram sempre bem vindos, venham de onde vierem e custem o que custarem, até a liberdade do devedor ou mesmo a sua morte. A parábola testemunha o repúdio de Jesus ao sistema econômico violento e leva-nos, hoje, a tomar posição em relação ao capitalismo igualmente cruel, exigindo que o dinheiro se reproduza a todo custo, sem a mínima preocupação com a ética mais elementar.

O servo reprovado pelos poderosos é, sem dúvida, o único que teve coragem de não compactuar com o sistema. E, tal como difunde hoje a mídia empresarial, os mais ricos alimentam ódio contra o servo, levando à morte. Ao fazer essa dura denúncia àquele sistema cruel, não é difícil entender o porquê de Jesus de Nazaré incomodar tanto, a ponto de sua morte ser desejada por todos os poderosos de ontem e de hoje.

Na sequência, Ir. Mercedes, Fr. Carlos e Orofino comentam a interpretação alegórica da parábola, proposta pelas comunidades de Mateus.

1  Situando
 
1. A “Parábola dos Talentos” (Mt 25,14-30) faz parte do 5º Sermão da Nova Lei. Ela está situada entre a “Parábola das Dez Moças” (Mt 25,1-13) e a “Parábola do Juízo Final” (Mt 25,31-46). As três parábolas orientam as pessoas sobre a chegada do Reino. A “Parábola das Dez Moças” insiste na vigilância: o Reino pode chegar a qualquer momento. A “Parábola dos Talentos” orienta sobre como fazer para que o Reino possa crescer. A “Parábola do Juízo Final” diz que, para tomar posse do Reino, se devem acolher os pequenos.

A bíblia é um livro negro de hermenêutica branca





Homem branco pregando<br>Fonte: Desconhecida;
“Sou negro, realizo uma fusão total com o mundo, uma compreensão simpática com a terra, uma perda do meu eu no centro do cosmos: o branco, por mais inteligente que seja, não poderá compreender Armstrong e os cânticos do Congo. Se sou negro não é por causa de uma maldição, mas porque, tendo estendido minha pele, pude captar todos os eflúvios cósmicos. Eu sou verdadeiramente uma gota de sol sob a terra...” 
Frantz Fanon, em “Pele negra, Máscara branca” (1)

A bíblia sempre foi, e continua sendo, um livro em disputa. Nada surpreendente, em se tratando de um livro que dita em definitivo as regras, estabelece a “normalidade”, ou a “normatividade”, de toda uma civilização. Um livro, uma narrativa, com esse poder, não pode pertencer a um povo marginal, ele deverá ser universal, e para ser universal ele deve ser lido a partir da construção hegemônica. Talvez por isso todas as suas histórias são lidas quase que unilateralmente ou para exemplificar, esclarecer, o relacionamento com Deus, ou para tratar do relacionamento com o outro, com a igreja e com o mundo (como um cristão deve agir). A hermenêutica hegemônica não permite a leitura biopolítica da bíblia. Nela não se enxerga o controle social, o governo dos corpos, o exercício do poder sobre o cotidiano, o uso da força produtiva do cidadão comum, os pobres da cidade. Da mesma forma, nela também não se permite a racialização da leitura. A “lupa racial” foi quebrada, antes mesmo que pudesse ser usada. 

A estranheza diante de uma proposta de Teologia Negra ou Feminista, só evidencia nossa dificuldade em lidar com a diversidade que a bíblia contém, mas é invisibilizada. Estranho mesmo é imaginar que a bíblia tenha sobrevivido por tantos séculos como um livro realmente diferente de qualquer outro, no que diz respeito a sua relação com a historicidade. Dela ocultou-se o conflito, os embates, a crítica social, a denúncia da exploração, a sexualidade, a sensualidade, o racismo, o estigma. Mais fabuloso que um mar que se abre e um homem que é engolido por um grande peixe, é a narrativa de personagens a-históricos, sem contexto, como que incontextualizáveis, sem dramas pessoais, desprovidos de dramas humanos, envolvidos em grandes feitos atravessados pelos fenômenos maravilhosos, mas não envolvidos nos feitos do dia a dia (a traição, a sedução, a disputa de poder, o nepotismo, a tradição, a artimanha, a capacidade de mentir e enganar, a expectativa, a frustração, a solidariedade, a honra, a ética). 

Anistia Internacional lança campanha sobre o alto índice de homicídios de jovens



Jovem Negro Vivo!<br>Fonte: ANISTIA Internacioal | www.anistia.org.br
A Anistia Internacional lançou no domingo (09/11), às 10h, na pista de skate do Aterro do Flamengo (altura do Museu da República), Rio de Janeiro, a campanha Jovem Negro Vivo. A mobilização chama a atenção para o alto número de mortes de jovens no país, em especial entre a juventude negra.

“Além de ser um país com um dos maiores índices de homicídios no mundo, o Brasil está matando mais seus jovens e, entre estes, os negros. Os números são chocantes. Dos 56 mil homicídios que ocorrem por ano, mais da metade são entre os jovens. E dos que morrem, 77% são negros. A indiferença com a qual o tema é tratado na agenda pública nacional é inaceitável. Esteve presente de forma tímida no debate eleitoral, está fora das manchetes dos jornais. Parece que a sociedade brasileira naturalizou esta situação”, afirma Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil.

Com a campanha Jovem Negro Vivo, a Anistia Internacional convida todas as pessoas a conhecer e contribuir para mudar esta realidade. Para isso, mobiliza a sociedade para assinar o manifesto “Queremos ver os jovens vivos”, que defende o direito a uma vida livre de violência e preconceito. E ainda pede políticas públicas de segurança, educação, saúde, trabalho, cultura, mobilidade urbana, entre outras, que possam contribuir para o enfrentamento desta realidade.

A morte violenta não pode ser aceita como destino de tantos jovens. As consequências do preconceito e dos estereótipos negativos associados a estes jovens e aos territórios das favelas e das periferias devem ser amplamente debatidas e repudiadas”, destaca Atila Roque.

Dia da Consciência Negra: entrevista com Marcelo Barros




Marcelo Barros<br>Fonte: Divulgação
O Brasil celebra hoje, 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra. A data faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na região Nordeste do Brasil. Zumbi foi morto em 1695, na referida data, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho.
 
O dia de sua morte, descoberta por historiadores no início da década de 1970, motivou membros do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, em um congresso realizado em 1978, a elegerem a figura de Zumbi como um símbolo da luta e resistência dos negros escravizados no Brasil, bem como da luta por direitos que seus descendentes reivindicam ainda nos dias de hoje.
 
Desde Zumbi, a realidade do negro no Brasil mudou bastante, mas as disparidades continuam. Por exemplo: entre os jovens assassinados, 77% são negros (saiba mais aqui). No mundo do trabalho, dados mostram que um trabalhador negro no Brasil ganha, em média, pouco mais da metade (57,4%) do rendimento recebido pelos trabalhadores de cor branca (confira aqui). E por aí vai...
 
É por estas e outras que a luta por mais igualdade não pode parar.
 
Aproveitando o ensejo, o CONIC fez uma entrevista com o monge Marcelo Barros. O bate-papo abordou, entre outros temas, a perseguição que religiões com raízes africanas (como o Candomblé e a Umbanda) ainda sofrem no Brasil; o papel do poder público, cotas, além de seu mais novo livro, “Na Casa de meu Pai há muitas moradas - Conversas com um pastor pentecostal sobre a Bíblia e outras religiões” *.
 
CONIC: Qual é a importância de se comemorar esta data no Brasil, um país forjado por mãos de escravos, mas que, em pleno século XXI, custa aceitar o papel do negro na construção da nação?

Papa e movimentos sociais populares: entrevista com Rosângela Piovizani




Rosangêla e o Papá<br>Fonte: Divulgação
 No dia 28 de outubro último, o papa Francisco recebeu no Vaticano, para um encontro inédito no seio da Igreja romana, representantes de movimentos sociais populares de todas as partes do planeta. Pessoas que lutam por moradia, trabalho digno, melhores condições de emprego e renda, além de representantes do campesinato mundial estiveram presentes.
 
Do Brasil, entre outros, estava participou o secretário geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner; o membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile e a coordenadora nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e da Via Campesina, Rosângela Piovizani Cordeiro.
 
“Este encontro nos dará mais condições de entrar em espaços que desde um certo período vêm se afastando da luta camponesa e da luta de enfrentamento ao capital. Eu penso que teremos mais liberdade em dialogar nas paróquias, nas dioceses e dizer: ‘Olha, o papa está aberto, porque vocês não?’”, questionou Rosângela Piovizani em entrevista inédita ao CONIC. Confira!
 
 
1) Na história do papado, esta é a primeira vez que um papa se reúne com representantes de movimentos sociais populares do mundo inteiro. Como avalia esta iniciativa?
 
Rosângela: Essa iniciativa é uma das coisas na vida da Igreja e na vida dos movimentos sociais das mais importantes que já aconteceu. Foi uma experiência inédita e frutífera, que nos dá muito mais força para continuar na luta. E sabemos que tal encontro é uma construção que não é de hoje, até pelo longo envolvimento do papa Francisco com os movimentos sociais populares na Argentina. Logo, este não foi um evento que o papa tirou da cabeça, afinal, ele já tinha uma vida a serviço destas causas e sempre lutou ao lado dos pobres, engajado no enfrentamento à miséria e à pobreza, tudo isso com diálogo permanente com os movimentos da Argentina.

Mateus 25,31-46: “Quem está aí?” – “Sou eu!” Entre nós está, e não o conhecemos [Mesters, Lopes e Orofino]



<br>Fonte: Fano
No domingo, 23/11, meditaremos sobre o texto em que Jesus diz estar presente nas pessoas com fome e sede e sem roupa, nos estrangeiros, nas pessoas doentes, presas e sem casa. Pessoas assim é que não faltam hoje. Existem em toda parte. O número delas cresce cada vez mais.  Somado a isso, o aumento do desemprego, da pobreza e das  doenças é produzido pelo sistema neoliberal. 

1. Situando
 
1. O Sermão da Montanha, o primeiro livro da Nova Lei, abriu com as oito bem- aventuranças. 

O Sermão da Vigilância, o quinto e último livro da Nova Lei, encerra com a parábola que descreve o juízo final. As bem-aventuranças descreveram o portão de entrada para o Reino, enumerando oito categorias de pessoas: os pobres de espírito, os mansos, os aflitos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os de coração limpo, os promotores da paz e os perseguidos pela justiça. A “Parábola do Juízo Final” conta o que devemos fazer para poder tomar posse do Reino, a saber, acolher os famintos, os sedentos, os estrangeiros, os sem-roupas, os doentes e os prisioneiros. No começo e no fim da Nova Lei, estão os excluídos e marginalizados, estão os que procuram acabar com a exclusão.
 
2. No fim do século I, as comunidades cristãs eram uma minoria. 

Vistas do lado de fora, pareciam grupos dissidentes do mundo judeu. Ainda não tinham lideranças próprias organizadas. Seus superiores jurídicos ainda eram os escribas e os fariseus. O que havia eram missionários e missionárias ambulantes que passavam pelas comunidades para animá-las a continuar firmes na nova maneira de viver a Lei de Deus. Estes missionários eram pessoas simples, leigas, sem muita instrução. Por isso, eram desprezadas e perseguidas pelas lideranças dos judeus. Passavam fome e sede e, muitas vezes, eram jogadas na prisão. Esta situação é o pano de fundo da “Parábola do Juízo Final”.

Mc 13.(24)33-37: Vigiai e orai [Elaine Neuenfeldt]



Vigiar e orar!<br>Fonte: Desconhecida;
Esta é uma fórmula que fica guardada na memoria ao ler este texto bíblico. Estar atentos combinado com a oração. É esta a principal mensagem do que se guardou na memória em relação a este texto. E muitas vezes já se afirmou que oração sem ação ou igualmente ação sem oração se torna vazio de sentido na prática cristã.
 
O texto do evangelho de Marcos a ser refletido no primeiro domingo de Advento reflete uma linguagem apocalíptica, ou um jeito de dizer profecia em tempos de perseguição e perigo. O contexto do texto na época reflete o período conturbado da destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos e a subsequente perseguição, morte e violência sofrida neste período. Vigiar constantemente, em todos os momentos - à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo, pela manhã engloba todas as horas do dia. Não há tempo de deixar cair a guarda, de cochilar. Estas são recomendações que se encaixam no período litúrgico celebrado: o Advento. Advento é tempo de espera, de esperança; mas não uma espera passiva, de cruzar os braços. Esperança ativa que se desenvolve em ações que concretizam os anseios da oração feita é o que envolve o período do ad-vento - do tempo que já vem.

Este primeiro domingo de advento foi celebrado em 2011 num momento que se outorgaria no dia 10 de dezembro, em Oslo, Noruega, o premio Nobel da Paz a três mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, a militante Leymah Gbowee, também liberiana, e a jornalista e ativista iemenita Tawakkul Karman. É de destacar que em 111 anos, apenas 12 mulheres haviam recebido o Nobel da Paz. Considerando todas as categorias do prêmio, até aquele momento apenas 44 mulheres haviam sido agraciadas.[1]

sábado, 8 de novembro de 2014

Os direitos da juventude para além das urnas: Nota da Rede Ecumênica da Juventude sobre o pós-eleição presidencial

(João 2,13-25) Uma faxina na casa de Deus: Jesus é o novo templo [Mesters, Lopes e Orofino]





1. Situando
1.  O início da atividade de Jesus foi apresentado dentro do esquema de uma semana. Agora, ao iniciar a descrição dos sinais que acontecem no sábado prolongado, o Quarto Evangelho adota o esquema das festas. Sábado é festa! Todos os sinais relatados por João estão relacionados, de uma ou de outra maneira, com festas importantes da vida do povo: casamento (Jo 2,1), Páscoa (Jo 2,13; 6,4; 11,55; 12,12; 13,1), Tendas (Jo 7,2.37), Pentecostes (Jo 5,1), Dedicação do Templo (Jo 10,22).
2.  Os evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas colocam a expulsão do templo no fim da atividade de Jesus, pouco antes da sua prisão, como um dos motivos que levaram as autoridades a prender e matar Jesus. O Evangelho de João coloca o mesmo episódio no começo da atividade de Jesus. É para que as comunidades entendam que a nova imagem de Deus, revelada por Jesus, não está mais no antigo templo de Jerusalém, mas sim no novo templo, que é Jesus. Não se pode colocar remendo novo em pano velho (Mc 2,21).
2. Comentando
1.  João 2,13-14: Na festa da Páscoa, Jesus vai ao Templo para encontrar o Pai, e encontra o comércio
Os outros evangelhos relatam apenas uma única visita de Jesus a Jerusalém durante a sua vida pública, aquela em que ele foi preso e morto. O Evangelho de João traz informações mais exatas. Ele diz que Jesus ia a Jerusalém nas grandes festas. Ir a Jerusalém significava ir ao templo para encontrar-se com Deus. No casamento em Caná, apareceu o contraste entre o vazio do Antigo e a abundância do Novo. Aqui aparece o contraste entre o antigo templo, que virou casa de comércio, e o novo templo, que é Jesus.
2.  João 2,15-16: Jesus faz uma faxina no templo
No templo, havia o comércio de animais para os sacrifícios e havia as mesas dos cambistas, onde o povo podia adquirir a moeda do imposto do templo. Vendo tudo isso, Jesus faz um chicote de cordas e expulsa do templo os vendedores com seus animais. Derruba as mesas dos cambistas, joga o dinheiro no chão e diz aos vendedores de pombas: “Tirem essas coisas daqui! Não façam da casa do meu Pai uma casa de comércio!” O gesto e as palavras de Jesus lembram várias profecias: a casa de Deus não pode ser transformada em covil de ladrões (Jr 7,11); no futuro não haverá mais vendedor na casa de Deus (Zc 14,21); a casa de Deus deve ser uma casa de oração para todos os povos (Is 56,7).

Mateus 5,1-12: As bem-aventuranças como caminho de santidade [Ildo Bohn Gass]