domingo, 11 de junho de 2017

Atlas da Violência 2017: negros e jovens são as maiores vítimas

Fernando Frazão/ Agência Brasil

O Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta segunda-feira 5, revela que homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País.
A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios.
Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.
“Jovens e negros do sexo masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de guerra”, compara o estudo.
Outro dado revela a persistência da relação entre o recorte racial e a violência no Brasil. Enquanto a mortalidade de não-negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4% entre 2005 e 2015, entre as mulheres negras o índice subiu 22%.
O Atlas da Violência 2017, que analisou a evolução dos homicídios no Brasil entre 2005 e 2015 a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, mostra ainda que aconteceram 59.080 homicídios no país, em 2015. Quase uma década atrás, em 2007, a taxa foi cerca de 48 mil.
Este aumento de 48 mil para quase 60 mil mostra uma naturalização do fenômeno por parte do poder público. Daniel Cerqueira, coordenador de pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que a naturalização dos homicídios se dá por processo históricos e econômicos de desigualdade no país, “que fazem com que a sociedade não se identifique com a parcela que mais sofre com esses assassinatos”, afirma.
Entre os estados, o de São Paulo foi o que apresentou a maior redução, 44,3%. Já no Rio Grande do Norte, a violência explodiu com um aumento de 232%.

Mulheres

Em 2015, cerca de 385 mulheres foram assassinadas por dia. A porcentagem de homicídio de mulheres cresceu 7,5% entre 2005 e 2015, em todo o País.
As regiões de Roraima, Goiás e Mato Grosso lideram a lista de estados com maiores taxas de homicídios de mulheres. Já São Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal, ostentam as menores taxas. No Maranhão, houve um aumento de 124% na taxa de feminicídios.
Segundo o Atlas, em inúmeros casos, as mulheres são vítimas de outras violências de gênero, além do homicídio. A Lei Maria da Penha categoriza essas violências como psicológica, patrimonial, física ou sexual.
A Lei do Feminicídio, aprovada há dois anos, foi importante para dar mais visibilidade aos assassinatos de mulheres. As informações do número de feminicídios, porém, ainda não aparecem na base de dados do SIM, constando como homicídio de mulheres.
Segundo dossiê realizado pelo Instituto Patrícia Galvão, o feminicídio corresponde à última instância de poder da mulher pelo homem, configurando-se como um controle “da vida e da morte”.
Cerqueira entende que esta e outras categorizações de assassinatos, como o feminicídio, são importantes pois “desnudam o enredo por trás das mortes”. O Brasil ocupa a quinta posição em número de feminicídios num ranking de 83 países.
“A criação de políticas públicas passa pelos dados angariados através dessas categorizações”, afirmando que, para combater esses assassinatos, o Estado não deve apenas se concentrar em aumentar o número de policiais nas ruas.

Jovens

O Atlas mostra também que o assassinato de jovens do sexo masculino entre 15 e 29 anos corresponde a 47,85% do total de óbitos registrados no período estudado. Nessa mesma faixa etária, em Alagoas, foram 233 mortes para cada 100 mil homens. Em Sergipe, 230 homens para 100 mil.
Embora registre 197,4 casos por 100 mil habitantes, Rio Grande do Norte foi o estado que apresentou maior aumento na taxa de homicídios de homens nesta faixa etária, 313,8 %, no período entre 2005 e 2015.
Segundo o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública acrescentou ao indicador de violência de jovens um indicador de desigualdade racial.
A partir disso, constatou-se que os jovens negros entre 12 e 29 anos estavam mais vulneráveis ao homicídio do que brancos na mesma faixa etária. Em 2012, a vulnerabilidade alcançava mais que o dobro.
Em 2013, Espírito Santo saiu, pela primeira vez desde 1980, da lista dos cinco estados mais violentos do país, ocupando a 15ª posição nacional, em 2015. Segundo informações do Atlas, isso ganhou força devido ao Programa Estado Presente, de 2011, apesar da crise da greve dos policias militares no começo de 2017.

Fonte: Texto de Carta Capital, publicado em CONIC, 07/06/2017.

Com 10 executados no PA, Brasil tem 25 mortos em chacinas no campo em 40 dias

 Lattuff

Das últimas quatro matanças, duas aconteceram no Pará; estado é o antigo líder nos assassinatos rurais; ano de 2017 já acumula 36 mortes no país.
O ano de 2017 começa a entrar para a história como um dos períodos mais sangrentos para camponeses desde a redemocratização, em 1985. Uma sequencia de três chacinas ocorridas em menos de 15 dias, na segunda quinzena de abril, e deixou 15 mortos. Com o massacre desta quarta-feira (24/05) em Pau D’Arco, no Pará, são 25 homicídios em apenas 40 dias, somente em massacres.
Nove homens e uma mulher ligados à Liga dos Camponeses Pobres (LCP) foram mortos pela polícia na fazenda Santa Lúcia, localizada no município de Pau D’Arco, sudeste do Pará, durante ação das Polícias Civil e Militar. Entre eles, segundo a LCP, está a presidente da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do município. Outras 14 pessoas foram baleadas e ficam feridas.
No dia 1º de maio, no sul do Pará, em Santa Maria das Barreiras, quatro corpos foram encontrados carbonizados dentro de uma caminhonete. Dois dias antes, no dia 29 de abril, moradores da linha 90 Gleba de Corumbiara, em Rondônia, encontraram uma caminhonete com três corpos de agricultores incinerados.
Esses homicídios em série ocorreram dez dias após uma chacina que chocou o país: a de Colniza, noroeste do Mato Grosso. Nove camponeses foram mortos no local, no dia 19 de abril. A matança foi um dos temas do programa Profissão Repórter desta quarta-feira, na Rede Globo, que levou uma equipe à região.
As Comissões de Direitos Humanos e de Direito Agrário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA) divulgaram uma nota lamentando o massacre em Pau D’Arco. “A preocupação com os conflitos campesinos não é de hoje e, tampouco, somente do Estado do Pará”, diz a nota conjunta.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano de 2017 já soma 36 mortes. Duas das quatro chacinas ocorreram no Pará, antigo líder em assassinatos motivados por conflitos políticos no campo. Em 2016, o estado ficou em terceiro no relatório da CPT sobre as mortes de 2016, com seis homicídios.
Ao todo, desde que os dados começaram a ser coletados, em 1985, o Brasil somou 1.833 assassinatos no campo até o ano passado. Mais detalhes sobre o histórico de mortes políticas no campo podem ser lidos nesta reportagem: “Democracia já tem quase 2 mil assassinatos políticos no campo“.
Fonte: A reportagem é de Cauê Seigner Ameni, publicada por De Olho nos Ruralistas. Publicado em Instituto Humanitas, 27/05/2017.
Charge: Latuff.

Dúvidas e certezas da fé [Pe. Alfredo J. Gonçalves]


“Evidente que todo fundamentalismo é pernicioso. A história da humanidade está pontilhada de experiências trágicas, as quais, em vez de dar lugar a uma dúvida aberta e sincera, agarram-se tenazmente, ferozmente às suas certezas. A partir destas, julgam tudo e todos. De um lado, temos o fundamentalismo sociopolítico e ideológico daqueles que pretendem impor suas ideias ou suas formações históricas. Alguns dos resultados são bem conhecidos, com milhares ou milhões de pessoas exterminadas pela forca, pelo paredão de fuzilamento, pela guilhotina, pelos “gulags”, pelos “vietnams”, pelas câmeras de gás, pelos atentados ou massacres”, escreve Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor das Pastorais Sociais.

Eis o artigo.

Disse alguém que “o oposto da fé não é a dúvida, mas a certeza”. Esta última, de fato, ao longo da história, tem provocado bem mais discórdias, conflitos e guerras que a primeira. Não falamos tanto do núcleo profundo da fé ou do seu “credo” original, o qual, de resto, permanece de foro íntimo. Referimo-nos, sobretudo, às suas consequências moralistas na convivência cotidiana. Isso não significa que o “foro íntimo” seja por si mesmo privado de implicações com respeito ao comportamento, e sim que, se livre e aberto, tende a respeitar a liberdade e a alteridade de cada pessoa.
O certo é que a dúvida, com suas inquietudes e interrogações, deixa espaço à escuta, à verdade do outro, à compreensão e ao confronto recíproco. O que em geral conduz ao recíproco enriquecimento. Privilegia o diálogo em lugar da imposição. A certeza, ao contrário, tende à rigidez, à primazia da lei, à intransigência e, em última instância, ao fundamentalismo. O julgamento implacável prevalece sobre a misericórdia. Neste caso, a justiça se faz não a partir do espírito da legislação, mas a partir de sua letra morta, o que leva à morte da própria justiça.
Pior ainda quando as coisas ocorrem no âmbito da religião. Aqui a tendência é de absolutizar alguns princípios religiosos, nem sempre essências e às vezes até mesmo banais, e à luz dos mesmos demonizar todo e qualquer comportamento que não se guie por eles. Então, mais do que diante de certezas, estamos diante de “verdades sagradas”. Resulta que se alguém as possui e outros não, estes últimos devem ser condenados à fogueira, à decapitação, ao inferno. Além de duvidar e interrogar, encontram-se em estado de pecado. Como infiéis, devem ser eliminados… em nome de Deus!
Evidente que todo fundamentalismo é pernicioso. A história da humanidade está pontilhada de experiências trágicas, as quais, em vez de dar lugar a uma dúvida aberta e sincera, agarram-se tenazmente, ferozmente às suas certezas. A partir destas, julgam tudo e todos. De um lado, temos o fundamentalismo sociopolítico e ideológico daqueles que pretendem impor suas ideias ou suas formações históricas. Alguns dos resultados são bem conhecidos, com milhares ou milhões de pessoas exterminadas pela forca, pelo paredão de fuzilamento, pela guilhotina, pelos “gulags”, pelos “vietnams”, pelas câmeras de gás, pelos atentados ou massacres.
De outro lado, nos deparamos com o fundamentalismo de roupagem cultural-religiosa. A primícia é sempre a mesma: a verdade está de um lado, do outro a falsidade. A dicotomia maniqueísta divide taxativamente a sociedade em santos e pecadores. Os “nossos, do lado de dentro” e os “outros, do lado de fora”. Céu e terra, salvos e transviados, fiéis e infiéis. Quando os primeiros chamam a si o direito e o dever de julgar e condenar, os segundos correm o risco de desaparecer da face da terra, devem ser sumariamente liquidados.
Em conclusão, a dúvida permite que outros e diferentes saberes entrem pelas fissuras normais da trajetória de cada pessoa ou grupo, de cada povo ou nação, de cada religião ou cultura. Novos raios de luz passam a iluminar o conjunto das relações interpessoais, comunitárias, humanas… A experiência ganha novos enfoques e novos elementos para um discernimento permanente, o qual tornar-se-á, ao mesmo tempo, um permanente diálogo. Somente num caminho semelhante será possível exorcizar o racismo e o preconceito, a discriminação e a xenofobia. A intolerância nasce das certezas frias e rígidas como blocos de gelo, ao passo que a fé cresce e se rejuvenesce no terreno fecundo da dúvida. A fé tem a coragem de elevar ao céu as perguntas, aflições, incongruência, ambiguidades e contradições que habitam a alma humana – na esperança que o espírito de Deus venha em nosso socorro, ilumine os projetos, os caminhos e os passos que juntos nos propomos a levar adiante.
Roma, 25 de maio de 2017

É tempo insurgente por justiça e democracia

Agora eu me levantarei porque o povo pobre está sendo oprimido, as pessoas perseguidas gemem de dor.Salmo 12.5
Diaconia Transformadora é manifesto público contra o Massacre em Pau D´Arco no Pará. À violenta higienização e extermínio da população de rua, em Porto Alegre e São Paulo. Ao Racismo, que faz do Brasil um dos países que mais mata jovens no mundo, juventude negra, assassinada e encarcerada, que grita pela libertação de Rafael Braga. Voz profética, que denuncia o avanço da mineração em territórios ocupados e protegidos por povos e comunidades tradicionais.
A sociobiodiversidade do Bioma Mata Atlântica exige justiça e reparação às mineradoras SAMARCO, VALE E BHP. Denunciamos o projeto de mineração da Votorantin e da Canadense Iamgold Brasil no Alto Camaquã, Bioma Pampa.
Diaconia Profética opõe-se firmemente ao ódio e à criminalização dos povos indígenas, declarado na CPI do Incra e Funai, à truculenta reintegração de posse da Comunidade Vila Alto da Colina em Porto Alegre, às Reformas Trabalhista, da Previdência, ao congelamento dos gastos com saúde, educação e assistência social. É voz insurgente por justiça de gênero e democracia, pelo fim da criminalização dos movimentos e lutas sociais. Denuncia a mídia promotora de informações mentirosas, aliadas ao seu próprio interesse capitalista no pacto com as elites que governam nosso país.
O povo tem direitos que não podem ser revogados por reformas autoritárias e pela violência do aparato de segurança pública contra o direito constitucional de participar da vida política do país nas grandes manifestações, que estão reunindo milhares de pessoas que não legitimam esse governo e sua política rentista. Manifestar-se, sem medo de ações policiais e violentas, é exercício democrático.
A democracia que defendemos é descolonial e afirmada em justiça de gênero. Apoiamos uma ampla Reforma Política e a Revogação de todas as reformas que retiram direitos do povo brasileiro. Queremos a garantia e a ampliação de direitos, a participação popular, o reconhecimento dos acordos sociais conquistados e contratados, a proteção das leis trabalhistas e ambientais.
A Diaconia Transformadora afirma o direito, a justiça e misericórdia, o bem viver em pluralidade e diversidade. A Diaconia Transformadora sempre estará ao lado da Democracia.
Levantamos porque o povo pobre está sendo oprimido e as pessoas perseguidas gemem de dor!

Por que pobre tem corpo? [Roberto Malvezzi]

Por que pobre tem corpo?
O corpo é carne
O corpo é água
O corpo é ar
O corpo é terra
O corpo é sexoO corpo sente
O corpo deseja
O corpo nasce
O corpo cresce
O corpo adoece
O corpo envelhece
O corpo morre.
 
Por que pobre tem corpo?
O corpo come
O corpo bebe
Precisa de teto
Precisa de espaço
Precisa de roupa
De banho
Sapato
Cuidado
O corpo cheira
O corpo fede
O corpo apodrece
O corpo incomoda
Não tivesse corpo
O pobre não seria problema.
E ninguém se incomodaria.
Por que pobre tem corpo?
Fonte: Por Roberto Malvezz

Viver Deus desde dentro [José Antonio Pagola]

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João capítulo 20, 19-23 que corresponde ao Domingo da Pentecostes, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Há alguns anos, o grande teólogo alemão Karl Rahner atrevia-se a afirmar que o principal e mais urgente problema da Igreja do nosso tempo era a sua «mediocridade espiritual». Estas eram as suas palavras: o verdadeiro problema da Igreja é «continuar com uma resignação e um tédio cada vez maior pelos caminhos habituais de uma mediocridade espiritual».
O problema tem-se agravado nestas últimas décadas. De pouco serviram as tentativas de reforçar as instituições, salvaguardar a liturgia ou vigiar a ortodoxia. No coração de muitos cristãos, está-se a apagar a experiência interior de Deus.
A sociedade moderna apostou no «exterior». Tudo nos convida a viver desde fora. Tudo nos pressiona para nos movermos depressa, sem pararmos em nada nem em ninguém. A paz já não encontra resquícios para penetrar até ao nosso coração. Vivemos quase sempre na crosta exterior da vida. Estamos a esquecer o que é saborear a vida a partir de dentro. Para ser humana, à nossa vida falta-lhe hoje uma dimensão essencial: a interioridade.
É triste observar que tampouco nas comunidades cristãs sabemos cuidar e promover a vida interior. Muitos não sabem o que é o silêncio do coração, não se ensina a viver a fé desde dentro. Privados de experiência interior, sobrevivemos esquecendo a nossa alma: escutando palavras com os ouvidos e pronunciando orações com os lábios enquanto o nosso coração está ausente.
Na Igreja, fala-se muito de Deus, mas, onde e quando escutamos, os crentes, a presença silenciosa de Deus no mais fundo do coração? Onde e quando acolhemos o Espírito do Ressuscitado no nosso interior? Quando vivemos em comunhão com o Mistério de Deus desde dentro?
Acolher a Deus no nosso interior quer dizer pelo menos duas coisas. A primeira: não colocar Deus sempre longe e fora de nós, quer dizer, aprender a escutá-lo no silêncio do coração. A segunda: descer Deus da nossa cabeça até ao profundo do nosso ser, quer dizer, deixar de pensar em Deus só com a mente e aprender a percebê-Lo no mais íntimo de nós.
Esta experiência interior de Deus, real e concreta, pode transformar a nossa fé. Surpreendemo-nos de como temos podido viver sem descobri-la antes. É possível encontrar Deus dentro de nós no meio de uma cultura secularizada. É possível também hoje conhecer uma alegria interior nova e diferente. Mas parece-me muito difícil manter por muito tempo a fé em Deus no meio da agitação e frivolidade da vida moderna sem conhecer, mesmo que seja de forma humilde e simples, alguma experiência interior do Mistério de Deus.
Fonte: Instituto Humanitas, 02/06/2017.

Quem não crer, já está condenado. Condenado a quê? (Jo 3,14-21) [Edmilson Schinelo]


Quem crê tem vida em abundância (João 3,16-18) [Ildo Bohn Gass]


A intimidade de Deus [José Antonio Pagola] CEBI ⁄ News ⁄ A intimidade de Deus [José Antonio Pagola]

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho segundo João capítulo 3,16-18 que corresponde a Festa da Santíssima Trindade, ciclo A do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto

Se por um impossível a Igreja dissesse um dia que Deus não é Trindade, mudaria em algo a existência de muitos crentes? Provavelmente não. Por isso fica-se surpreendido ante esta confissão do P. Varillon: «Penso que, se Deus não fosse Trindade, eu seria provavelmente ateu […] Em qualquer caso, se Deus não é Trindade, eu não compreendo já absolutamente nada».
A imensa maioria dos cristãos não sabe que ao adorar a Deus como Trindade estamos confessando que Deus, na Sua intimidade mais profunda, é só amor, acolhimento, ternura. Esta é talvez a conversão que mais necessitam não poucos cristãos: o passo progressivo de um Deus considerado como Poder a um Deus adorado com grande alegria como Amor.
Deus não é um ser «onipotente e eterno» qualquer. Um ser poderoso pode ser um déspota, um tirano destruidor, um ditador arbitrário: uma ameaça para a nossa pequena e débil liberdade. Poderíamos confiar num Deus de quem só soubéssemos que é onipotente? É muito difícil abandonar-se a alguém infinitamente poderoso. Parece mais fácil desconfiar, ser cauto e salvaguardar a nossa independência.
Mas Deus é Trindade, é um mistério de Amor. E a Sua onipotência é a onipotência de quem só é amor, ternura insondável e infinita. É o amor de Deus que é onipotente. Deus não pode tudo. Deus não pode senão o que pode o amor infinito. E sempre que o esquecemos e saímos da esfera do amor fabricamos um Deus falso, uma espécie de ídolo estranho que não existe.
Quando não descobrimos ainda que Deus é só Amor, facilmente nos relacionamos com Ele a partir de interesse próprio ou do medo. Um interesse que nos move a utilizar a Sua onipotência para nosso proveito. Ou um medo que nos leva a procurar toda a classe de meios para nos defendermos do Seu poder ameaçador. Mas esta religião feita de interesse e de medos está mais próxima da magia que da verdadeira fé cristã.
Só quando se intui a partir da fé que Deus é só Amor e se descobre fascinado que não pode ser outra coisa senão Amor presente e palpitante no mais fundo da nossa vida, começa a crescer livre no nosso coração confiança num Deus Trindade de que o único que sabemos por Jesus é que não pode senão amar-nos.
Fonte: Publicado pelo Instituto Humanitas, 09/06/2017.