quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Marcos 1,29-39: A Cura da sogra de Pedro [Ildo Bohn Gass]



Aproximando-se, ele a tomou pela mão e a fez levantar-se (1,29-39)

A passagem do evangelho segundo Marcos proposta para este final de semana está claramente dividida em três partes.

A cura de uma mulher para a diaconia, o serviço (1,29-31)

No Evangelho segundo Marcos, a primeira cura realizada por Jesus é a expulsão de um espírito impuro de um homem que está sob o domínio de escribas e da sinagoga de Cafarnaum, cidade onde Jesus foi morar, ao iniciar sua missão (Marcos 1,21-28). A lei imposta pelos escribas na sinagoga e no templo, além de ser um peso na vida das pessoas (cf. Mateus 23,1-4; Lucas 13,10-17), impedia que se pensasse e agisse orientado pelo Espírito de Deus. Pois, no dizer de Paulo,“a letra mata, o Espírito é que dá a vida” (2Coríntios 3,6). Por isso, Jesus salva as pessoas dessa força demoníaca que cria dependência e não liberta. 

“Logo que saíram da sinagoga, foram com Tiago e João para a casa de Simão e André” (Marcos 1,29). Convém lembrar que, mais do que frequentar o templo, Jesus prefere as casas, prefere o encontro com povo nos caminhos. Ali, todas as pessoas têm acesso ao encontro com Deus. No templo, só podiam entrar os sacerdotes.

Liberdade de expressão e (In)tolerância Religiosa – espaço aberto ao diálogo?



Em campanha nacional, Reju fala aos jovens sobre a diversidade religiosa.
Vinte e um de janeiro foi denominado o Dia Nacional contra a Intolerância Religiosa no Brasil. Líderes religiosos brasileiros se reuniram na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, para dialogarem sobre os dois assuntos que estão em grande evidência hoje no mundo: religião e liberdade de expressão. No país, os religiosos pedem a criação de um Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A Rede Ecumênica da Juventude (Reju) também programou várias atividades pelo Brasil e lançou a Campanha "Visto Branco pelo fim da intolerância religiosa".
A temática da intolerância religiosa e sua relação com a liberdade de expressão voltou à tona novamente este ano tendo em vista o atentado à revista Charlie Hebdo, ocorrido no último dia 07 de janeiro, matando 17 pessoas. A ação terrorista teria partido de islâmicos fundamentalistas em represália às charges publicadas pela revista que ofendiam o profeta Maomé, o que tem resultado no fortalecimento do que se chama "islamofobia”.
Realidade brasileira
Segundo dados do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), no Brasil, em 2014, foram registradas 149 denúncias de discriminação religiosa, uma diminuição se comparado a 2013, quando foram registradas 228 denúncias. Porém, os números podem não revelar a real dimensão do problema e demonstram que a questão religiosa ainda é um desafio. Das 149 denúncias, 26,17% foram no Rio de Janeiro e 19,46% em São Paulo.

As religiões e o terrorismo



Os principais conflitos do final do século XX e dos inícios do novo milênio possuem um transfundo religioso. Assim na Irlanda, em Kosovo, na Kachemira, no Afeganistão, no Iraque e no novo Estado Islâmico, extremamente violento. Ficou claro em Paris com o assassinato dos cartunistas e outras pessoas por fundamentalistas islâmicos. Como nisso entra a religião?

Não sem razão escreveu Samiuel P. Huntington em seu conhecido livro O choque de civilizações: ”No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas… O que em última análise conta para as pessoas não é a ideologia política nem o interesse econômico; mas aquilo com que as pessoas se identificam são as convicções religiosas, a família e os credos. É por estas coisas que elas combatem e até estão dispostas a dar a sua vida” (1997, p.79). Ele critica a política externa norte-americana por nunca ter dado o devido peso ao fator religioso, considerado algo passado e ultrapassado. Ledo engano. É o substrato dos mais graves conflitos que estamos vivendo.

Quer queiramos ou não, e não obstante o processo de secularização e o eclipse do sagrado, grande parte da humanidade se orienta pela cosmovisão religiosa, judaica, cristã, islâmica, xintoista, budista e outras.

Como já afirmava Christopher Dawson(1889-1970), o grande historiador inglês das culturas: ”as grandes religiões são os alicerces sobre os quais repousam as civilizações”(Dynamics of World History,1957,p.128). As religiões são o “point d’honneur” de uma cultura, pois através dela projeta seus grandes sonhos, elabora seus ditames éticos, confere um sentido à história e tem uma palavra a dizer sobre o fins últimos da vida e do universo. Somente a cultura moderna não produziu religião nenhuma. Encontrou substitutivos com funções idolátricas, como a Razão, o progresso sem fim, o consumo ilimitado, acumulação sem limites e outros. A consequência foi denunciada  por Nietzsche que proclamou a morte de Deus. Não que Deus tenha morrido, pois não seria Deus. É o fato de que os homens mataram Deus. Com isso queria significar que Deus não é mais ponto de referência para valores fundamentais, para uma coesão por cima entre os humanos. Os efeitos os estamos vivendo em nível planetário: uma humanidade sem rumo, uma solidão atroz e o sentimento de desenraizamento, sem saber  para onde a história nos leva.

Se quisermos ter paz neste mundo precisamos resgatar o sentimento do sagrado, a dimensão espiritual da vida que estão nas origens das religiões. Na verdade, mais importante que as religiões é a espiritualidade que se apresenta como a dimensão do humano profundo. Mas a espiritualidade se exterioriza sob a forma de religiões, cujo sentido é alimentar, sustentar e impregnar a vida de espiritualidade. Nem sempre o realiza porque quase todas as religiões, ao se institucionalizarem, entram no jogo do poder, das hierarquias e podem assumir formas patológicas. Tudo o que é sadio pode ficar doente. Mas é pelo “sadio” que medimos as religiões, bem como as pessoas e não pelo “patológico”.  E aí vemos que elas preenchem uma função insubstituível: a tentativa de dar um sentido último à vida e oferecer um quadro  esperançador da história.

Ocorre que hoje o fundamentalismo e o terrorismo que são patologias religiosas, ganharam relevância. Em grande parte se deve ao devastador processo de globalização (na verdade é ocidentalização do mundo) que passa por cima das diferenças, destrói identidades e impõe hábitos estranhos a eles.

Geralmente, quando isso ocorre, os povos se agarram àquelas instâncias que são os guardiães de sua identidade. É nas religiões que guardam suas memórias e seus melhores símbolos. Ao se sentirem invadidos como no Iraque e no Afeganistão, com milhares de vítimas, refugiam-se em suas religiões como forma de resistência. Então a questão não é tanto religiosa. Ela é antes política que usa da religião para se auto-defender. A invasão gera raiva e vontade de vingança. O fundamentalismo e  o terrorismo encontram nesse complexo de questões seu nicho de origem. Daí os atentados do terror em Paris e em outros lugares.

Como superar este impasse  civilizacional? Fundamental é viver a ética da hospitalidade, dispor-se a dialogar e aprender com o diferente, viver a  tolerância ativa, sentir-se humanos.

As religiões precisam se reconhecer mutuamente,  entrar em diálogo e buscar convergências mínimas que lhes permitem conviver pacificamente.

Antes de mais nada importa reconhecer o pluralismo religioso, de fato e de direito. A pluralidade se deriva de uma correta compreensão de Deus. Nenhuma religião pode pretender enquadrar o Mistério, a Fonte originária de todo ser ou qualquer nome que quisermos dar à Suprema Realidade, nas malhas de seu discurso e de seus ritos. Se assim fora, Deus seria um pedaço do mundo, na realidade, um ídolo. Ele está sempre mais além e sempre mais acima. Então, há espaço para outras expressões e outras formas de celebrá-lo que não seja  exclusivamente através desta religião concreta.

Os onze primeiros capítulos do Gênesis encerram uma grande lição. Neles não se fala de Israel como povo escolhido. Refere-se aos povos da Terra, todos como povos de Deus. Sobre eles paira o arco-iris da aliança divina. Esta mensagem nos recorda ainda hoje que todos os povos, com suas religiões e tradições, são povos de Deus, todos vivem na Terra, jardim de Deus e que formam a única Espécie Humana composta de muitas famílias com suas tradições, culturas e religiões.
Por: Leonardo Boff (Colunista do JBonline, filósofo e teólogo)

Fonte: JBonline | As religiões e o terrorismo

Mc 1, 21-28: O primeiro impacto da Boa Nova de Jesus no povo [Mesters e Lopes]



1. SITUANDO

O texto de hoje descreve várias atividades de Jesus: a admiração do povo diante do ensinamento de Jesus (Mt 1,21-22), o primeiro milagre da expulsão de um demônio (Mt 1,23-28), a cura da sogra de Pedro (Mc 1,29-31), a cura de muitos doentes (Mc 1,32-34). Marcos recolheu estes episódios, que eram transmitidos oralmente nas comunidades, e os uniu entre si como tijolos numa parede.

Nos anos 70, época em que Marcos escreveu, as comunidades necessitavam de orientação. Descrevendo como foi o início da atividade de Jesus, Marcos indicava como elas deviam fazer para anunciar a Boa Nova aos que viviam oprimidos pelo medo dos demônios, pela imposição arbitrária de normas ultrapassadas, pela perseguição por parte do Império Romano. Marcos fez catequese contando para as comunidades os fatos e acontecimentos da vida de Jesus.

 

2. COMENTANDO

1. Marcos 1,21-22: Admirado com o ensino de Jesus, o povo cria consciência crítica

A primeira coisa que Jesus faz é chamar gente para formar comunidade (Mc 1,16-20). A primeira coisa que o povo percebe é o jeito diferente de Jesus ensinar. Não é tanto o conteúdo, mas sim o jeito de ensinar, que impressiona. Por este seu jeito diferente, Jesus cria consciência crítica no povo com relação às autoridades religiosas da época. O povo percebe, compara e diz: Ele ensina com autoridade, diferentemente dos escribas. Os escribas da época ensinam citando autoridades. Jesus não cita autoridade nenhuma, mas fala a partir da sua experiência de Deus e da vida.

2. Marcos 1,23-26: Jesus combate o poder do mal

O primeiro milagre é a expulsão de um demônio. O poder do mal tomava conta das pessoas e as alienava de si mesmas. Hoje também, muita gente vive alienada de si mesma pelo poder dos meios de comunicação, da propaganda do governo e do comércio. Vive escrava do consumismo, oprimida pelas prestações e ameaçada pelos cobradores. Acha que  não vive direito como gente se não comprar aquilo que a propaganda anuncia. Em Marcos, o primeiro gesto de Jesus consiste em expulsar e combater o poder do mal. Jesus envolve as pessoas a si mesmas. Devolve a consciência e a liberdade.

3. Marcos 1,27-28: A reação do povo - o primeiro impacto

Os dois primeiro sinais da Boa Nova que o povo percebe em Jesus são estes: o seu jeito diferente de ensinar as coisas de Deus e o seu poder sobre os espíritos impuros. Jesus abre um novo caminho para o povo conseguir a pureza através do contato com ele. Naquele tempo, uma pessoa que era declarada impura já não podia comparecer diante de Deus para rezar e receber a bânção prometida por Deus a Abraão. Teria que se purificar primeiro. Assim, havia muitas leis e normas que dificultavam a vida do povo e marginalizavam muita gente como impura. Agora, purificadas por Jesus, as pessoas impuras podiam comparecer novamente à presença de Deus.

4. Marcos 1,29-31: Jesus restaura a vida para o serviço

Depois de participar da celebração do sábado, na sinagoga, Jesus entra na casa de Pedro e cura a sogra dele. A cura faz com que ela se coloque imediatamente de pé. Com a saúde e a dignidade recuperadas, ela se põe a serviço das pessoas. Jesus não só cura, mas cura para que a pessoa se coloque a serviço da vida.

5. Marcos 1,32-24: Jesus acolhe os marginalizados

Ao cair da tarde, terminado o sábado, na hora do aparecimento da primeira estrela no céu, Jesus acolhe e cura os doentes e os possessos que o povo tinha trazido. Doentes e possessos eram as pessoas mais marginalizadas naquela época. Elas não tinham a quem recorrer. Ficavam entregues à caridade pública. Além disso, a religião as considerava impuras. Elas não podiam participar da comunidade. Era como se Deus as rejeitasse e as excluísse. Jesus as acolhe. Assim, aparece em que consiste a Boa Nova de Deus e o que ela quer atingir na vida da gente: acolher os marginalizados e os excluídos e reintegrá-los na convivência.

 

3. ALARGANDO

Os oito pontos da missão da comunidade

Um duplo cativeiro marcava a situação do povo na época de Jesus: o cativeiro da religião oficial, mantida pelas autoridades religiosas da época, e o cativeiro da política de Herodes, apoiada pelo Império Romano e mantida por todo um sistema bem organizado da exploração e de repressão. Por causa disso, uma grande parte do povo vivia excluída, enxotada e sem lugar, nem na religião nem na sociedade. Era o contrário da fraternidade que Deus sonhou para todos! É neste contexto que Jesus começa a realizar sua missão.

Após a descrição da preparação da Boa Nova (Mc 1,1-13) e da sua proclamação (Mc 1,14-15), Marcos reúne, um depois do outro, oito episódios ou atividades de Jesus para descrever a missão das comunidades (Mc 1,16-45). É a mesma missão que Jesus recebeu do Pai (Jo 20,21). Estes oito episódios são oito critérios para as comunidades fazerem uma boa revisão e verificar se estão realizando bem a sua missão. Vejamos:

1) Mc 1,16-20: Criar comunidade - A primeira coisa que Jesus faz é chamar pessoas para segui-lo. A tarefa básica da missão é congregar as pessoas em torno de Jesus e criar comunidade.

2) Mc 1,21-22: Despertar consciência crítica - A primeira coisa que o povo percebe é a diferença entre o ensino de Jesus e o dos escribas. Faz parte da missão contribuir para que o povo crie consciência crítica frente à religião social.

3) Mc 1,23-28: Combater o poder do mal - O primeiro milagre de Jesus é a expulsão de um espírito impuro. Faz parte da missão combater o poder do mal que estraga a vida e aliena as pessoas de si mesmas.

4. Mc 1,29-31: Restaurar a vida para o serviço - Jesus curou a sogra de Pedro, ela levantou-se e começou a servir. Faz parte da missão preocupar-se com os doentes de tal modo que possam levantar-se e voltar a prestar serviço aos outros.

5. Mc 1,32-34: Acolher os marginalizados - Depois que o sábado passou, o povo trouxe até Jesus todos os doentes e endemoniados, para que Jesus os curasse, e ele curou a todos, impondo-lhes as mãos. Faz parte da missão acolher os marginalizados.

6. Mc 1,35: Permanecer unido ao Pai pela oração - Após um dia de trabalho até tarde, Jesus se levantou cedo para poder rezar num lugar deserto. Faz parte da missão permanecer unido à fonta da Boa Nova que é o Pai, através da oração.

7. Mc 1,36-39: Manter a consciência da missão - Os discípulos gostaram do resultado e queriam que Jesus voltasse. Mas ele seguiu adiante. Faz parte da missão não se fechar no resultado já obtido e manter viva a consciência da missão.

8. Mc 1,40-45: Reintegrar os marginalizados na convivência - Jesus cura um leproso e pede que se apresente ao sacerdote para poder ser declarado curado e voltar a conviver com o povo. Faz parte da missão reintegrar os marginalizados na convivência humana.

Esses oito pontos, tão bem escolhidos por Marcos, mostram o rumo e o objetivo da missão de Jesus: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundânci" (Jo 10,10). Estes mesmos oito pontos podem servir como avaliação para a nossa comunidade. Por aí a gente vê como Marcos constrói o seu Evangelho. Construção bonita, que leva em conta duas coisas ao mesmo tempo (1) informa as pessoas a respeito das coisas que Jesus fez e ensinou; (2) forma as comunidades e as pessoas para a missão de anunciadores e anunciadoras da Boa Nova.

Marcos 1,14-20: Jesus anuncia a Boa Nova de Deus e chama pessoas para segui-lo - [Mesters e Lopes]



O reino de Deus
1. SITUANDO

A Boa Nova de Deus foi preparada ao longo da história (Mc 1,1-8), foi proclamada solenemente pelo pai na hora do batismo de Jesus (Mc 1,9-11), foi testada e aprovada no deserto (Mc 1,12-13). Agora aparece o resultado da longa preparação: Jesus anuncia a Boa Nova publicamente ao povo (Mc 1,14-15) e convoca outras pessoas a participar do anúncio (Mc 1,16-20).

Nos anos 70, época em que Marcos escreveu, os cristãos, lendo essa descrição do início da Boa Nova, olhavam no espelho e viam retratado nele o início da sua própria comunidade. Aquela fonte que brotou na vida daqueles quatro primeiros discípulos podia, a qualquer momento, brotar também na vida deles.
 
 
2. COMENTANDO

1. Marcos 1,14: Jesus inicia o anúncio da Boa Nova de Deus
Marcos dá a entender que, enquanto Jesus se preparava no deserto, João Batista tinha sido preso pelo rei Herodes. Diz o texto: Depois que João foi presto, Jesus voltou para a Galiléia proclamando a Boa Nova de Deus. A prisão de João Batista não assustou a Jesus! Pelo contrário! Ele viu nela um sinal da chegada do Reino. Hoje, os fatos da política e da polícia também influem no anúncio que nós fazemos da Boa Nova ao povo. Marcos diz que Jesus proclamava a Boa Nova de Deus. Pois Deus é a maior Boa Notícia para a vida humana. Ele responde à aspiração mais profunda do nosso coração.

A escassez de água no Brasil e sua distribuição no mundo




A  atual situação de grave escassez de água potável, afetando boa parte do Sudeste brasileiro onde se situam as grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, nos obriga, como nunca antes, a repensar a questão da água e a desenvolver uma cultura do cuidado, acolitado por seus famosos erres (r): reduzir, reusar, reciclar, respeitar e reflorestar.
Nenhuma questão hoje é mais importante do que a da água. Dela depende a sobrevivência de toda a cadeia da vida e, consequentemente, de nosso próprio futuro. Ela pode ser motivo de guerra como de solidariedade social e cooperação entre os povos. Especialistas e grupos humanistas já sugeriram um pacto social mundial ao redor daquilo que é vital para todos: a água. Ao redor da água se criaria um consenso mínimo entre todos, povos e governos, em vista de um bem comum, nosso e do sistema-vida.
Independentemente das discussões que cercam o tema da  água, podemos fazer uma afirmação segura e indiscutível:a água é um bem natural, vital, insubstituível e comum. Nenhum ser vivo, humano ou não humano, pode viver sem a água. A ONU no  dia 21 de julho de 2010, aprovou esta resolução: “a água potável e segura e o saneamento básico constituem um direito humano essencial”
Consideremos rapidamente os dados básicos sobre a água no planeta Terra: ela já existe há 500 milhões de anos; 97,5% das águas dos mares e dos  oceanos são salgadas. Somente 2,5% são doces. Mais de 2/3 dessas águas doces encontram-se nas calotas polares e geleiras e no cume das montanhas (68,9%); quase todo o restante (29,9%) são águas subterrâneas. Sobram 0,9% nos pântanos e apenas 0,3% nos rios e lagos. Destes 0,3%, 70% se destina à irrigação na agricultura, 20% à indústria e sobram apenas 10% destes 0,3% para uso humano e dessedentação dos animais.
Existe no planeta cerca de um bilhão e 360 milhões de km cúbicos de água. Se tomarmos toda a água dos oceanos, lagos, rios, aquíferos e calotas polares e a distribuíssemos equitativamente sobre a superfície terrestre, a Terra ficaria mergulhada debaixo da água a três km de profundidade.
A renovação das águas é da ordem de 43 mil km cúbicos por ano, enquanto o consumo total é estimado em 6 mil km cúbicos por ano. Portanto, não há falta de água.
O problema é que se encontra desigualmente distribuída: 60% em apenas nove países, enquanto 80 outros enfrentam escassez. Pouco menos de um bilhão de pessoas consome 86% da água existente enquanto para 1,4 bilhões é insuficiente (em 2020 serão três bilhões) e para dois bilhões, não é tratada, o que gera 85% das doenças segundo OMS. Presume-se que em 2032 cerca de 5 bilhões de pessoas serão afetadas pela escassez de água.
O Brasil é a potência natural das águas, com 12% de toda água doce do planeta perfazendo 5,4 trilhões de metros cúbicos. Mas é desigualmente distribuída: 72% na região amazônica, 16% no Centro-Oeste, 8% no Sul e no Sudeste e 4% no Nordeste. Apesar da abundância, não sabemos usar a água, pois 37% da tratada é desperdiçada, o que daria para abastecer toda a França,  a Bélgica, a Suíça e norte da Itália. É urgente, portanto, um novo padrão cultural em relação a esse bem tão essencial (cf.o estudo mais minucioso organizado pelo saudoso Aldo Rebouças, Aguas doces no Brasil: Escrituras, SP 2002).
Uma grande especialista em água que trabalha nos organismos da ONU sobre o tema, a canadense Maude Barlow, afirma em seu livro “Agua: pacto azul (2009): “A população global triplicou no século XX mas o consumo da água aumentou sete vezes. Em 2050 quando teremos 3 bilhões de pessoas a mais, necessitaremos de 80% a mais de água somente para o uso humano;  e não sabemos de onde ela virá”(17). Esse cenário é dramático, pois coloca claramente em xeque a sobrevivência da espécie humana.
Há uma corrida mundial para privatização da água. Ai surgem grandes empresas multinacionais como as francesas Vivendi eSuez-Lyonnaise a alemã RWE, a inglesa Thames Water e a americana Bechtel. Criou-se um mercado das águas que envolve mais  de 100 bilhões de dólares. Ai estão fortemente presentes na comercialização de água mineral a Nestlé e a Coca-Cola que estão buscando comprar fontes de água por toda a parte no mundo, inclusive no Brasil.
Mas há também fortes reações das populações como ocorreu no ano 2000 em Cochabamba na Bolívia. A empresa américa Bechtel comprou as águas e elevou os preços a 35%. A reação organizada da população botou a empresa para correr do país.
O grande debate hoje se trava nestes termos: A água é fonte de vida ou fonte de lucro? A água é um bem natural, vital, comum e insubstituível ou um bem econômico a ser tratado como recurso hídrico e cotizado nas bolsas do mercado?
Ambas as dimensões não se excluem mas devem ser retamente relacionadas. Fundamentalmente a água pertence ao direito à vida, como insiste o grande especialista em águas Ricardo Petrella (O Manifesto da Agua, Vozes 2002). Nesse sentido, a água de beber, para uso na alimentação e  para higiene pessoal e dessedentação dos animais deve ser gratuita.
Como porém ela  é escassa e demanda uma complexa estrutura de  captação, conservação, tratamento e distribuição, implica uma inegável dimensão econômica. Esta, entretanto, não deve prevalecer sobre a outra; ao contrário, deve torná-la acessível a todos. Mesmo os altos custos econômicos devem ser cobertos pelo Poder Publico. Não há espaço para discutir as causas da atual seca. Recomendo o livro do cientista Antonio D.Nobre (iNPE), publicado em janeiro:”O futuro climático da Amazônia”onde discute as causas principais.
Uma fome zero mundial, prevista pelas Metas do Milênio da ONU, deve incluir a sede zero, pois não há alimento que possa existir e ser consumido sem a água.
A água é vida, geradora de vida e um dos símbolos mais poderosos  da natureza da Última Realidade. Sem ela não viveríamos.

Por: Leonardo Boff (colunista do JBonline e escreveu Do iceberg à arca de Noé, Mar de Idéias, Rio, 2010)

Fonte: JBonline | A escassez de água no Brasil e sua distribuição no mundo

OAB cria Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão





Inspirada na Comissão Nacional da Verdade que investigou o período da ditadura no Brasil, o grupo composto por 57 membros – 10 advogados, 35 consultores e 15 convidados do judiciário e Ministério Público – terá prazo de dois anos para concluir o trabalho. A expectativa é que um relatório parcial das atividades seja divulgado no final de 2015, já o documento final está previsto para dezembro de 2016.Resgatar a história da população negra no Brasil, inclusive as atrocidades cometidas à época da escravatura, para fazer sugestões de políticas públicas e ações afirmativas para construir uma igualdade plena no pais. Esse é o objetivo da Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra criada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados Brasil (OAB).
“Queremos buscar todas aquelas ações da escravidão que persistem até hoje e fazem do país um campeão da desigualdade da descriminação e do racismo. É preciso que investiguemos a fundo os fatos da escravidão assim como a Comissão Nacional da Verdade investigou fatos da ditadura e da tortura que persistem até hoje, a nossa comissão também pretende abolir, encerrar, banir os fatos que existem na escravidão até hoje”, destacou o presidente do colegiado que tomou posse hoje, Humberto Adami.
Para a realização dos trabalhos, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Republica, Ideli Salvatti, disse que o governo federal estará à disposição para ajudar no que for necessário. A comissão também terá parcerias com entidades como a Fundação Zumbi dos Palmares, o Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), o Instituto Nzinga Mulher Negra, além de universidades brasileiras.
Apesar do esforço no âmbito da OAB, o presidente nacional da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho cobrou do governo federal uma comissão nos moldes da que foi empossada hoje pela OAB. “Somos um só Brasil. Queremos uma nação de iguais. O fim do racismo e do preconceito, não admitindo a intolerância e a discriminação, são fundamentais para a construção de uma sociedade justa, solidária e fraterna”, afirmou.
A cerimônia de posse da Comissão teve a apresentação da banda mirim do Olodum, de Salvador; da cantora Martinha do Coco e do grupo Tambores do Paranoá, do Distrito Federal. Quilombolas de Paracatu, em Minas Gerais, também se apresentaram no evento.
Por: Karine Melo (Da Agência Brasil) 

Fonte: Brasil de Fato| OAB cria Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão

O sistema político brasileiro é democrático?



"É forçoso reconhecer, não são os/as eleitores/as que decidem, é o poder econômico. Se queremos acabar com esta frustração, repetida a cada vez, temos de mudar o sistema político", constata o Informe Abong publicado no portal daAbong, 05-02-2015.
Eis o editorial.
É comum dizer que o Brasil é uma democracia. De fato, pelos parâmetros usuais – eleições regulares e liberdade de opinião e de expressão – somos um país democrático. Sobretudo se levamos em conta que tivemos vinte e um anos de ditadura, durante a qual as liberdades foram suspensas e as eleições, quando ocorreram, foram controladas.  Mas, basta aprofundar um pouco mais sobre o sentido da palavra democracia para percebermos que somos um regime com vários elementos formais da democracia, mas onde a maioria não tem qualquer poder na definição da política, onde o povo, portanto, não é o soberano.

Examinemos os fatos recentes. O povo brasileiro votou, em outubro passado, para presidente e elegeuDilma Rousseff, numa campanha em que defendeu as conquistas sociais e o não retrocesso em relação aos direitos dos/as trabalhadores/as. O candidato adversário, derrotado, defendia mudança na política econômica, maior rigor no controle dos gastos sociais e maior abertura ao mercado. A candidata vitoriosa, antes mesmo da posse, tomou medidas que faziam parte do programa da oposição e nomeou ministros que representam o oposto do que ela havia defendido ao longo da campanha.


Fonte: IHU| O sistema político brasileiro é democrático?