sexta-feira, 25 de março de 2016

Oração de Páscoa [Edy Fernandes]


Páscoa significa renascimento, renascer.
Desejo que neste dia, em que nós cristãos, comemoremos o seu renascimento para a vida eterna, possamos renascer também em nossos corações.

Que neste momento tão especial de reflexão, possamos lembrar daqueles que estão aflitos e sem esperanças. Possamos fazer uma prece por aqueles que já não o fazem mais, porque perderam a fé em um novo recomeçar, pois esqueceram que a vida e um eterno ressurgir.

Não nos deixe esquecer que mesmo nos momentos mais difíceis do nosso caminho, tu estas conosco em nossos corações, porque mesmo que já tenhamos esquecido de ti, você jamais o faz.
Pois, padeceste o martírio da cruz em nome do Pai e pela humanidade, que muitas e muitas vezes esquece disso.

Esquecem de ti e do teu sacrifício
Quando agridem seu irmão,
Quando ignoram aqueles que passam fome,
Quando ignoram os que sofrem a dor da perda e da separação,
Quando usam a força do poder para dominar e maltratar o próximo,
Quando não lembram que uma palavra de carinho, um sorriso,
um afago, um gesto podem fazer o mundo melhor.

Jesus...
Conceda-me a graça de ser menos egoísta, e mais solidário para com aqueles que precisam. Que jamais esqueça de ti e de que sempre estarás comigo não importa quão difícil seja meu caminhar.

Obrigado Senhor, pelo muito que tenho e pelo pouco que possa vir a ter. Por minha vida e por minha alma imortal. Obrigado Senhor! Amém.

Feliz Páscoa!

Fonte: http://www.edyfernandes.com.br

Proteger as florestas é garantir a água da América Latina e Caribe


A América Latina e Caribe possuem uma enorme riqueza em recursos florestais e hídricos, que devem ser protegidos para se erradicar a fome e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, assinalou a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura], durante o Dia Internacional das Florestas, este 23 de março.

"A água e as florestas estão intimamente ligados – explica Jorge Meza, da Unidade Florestal da FAO –, já que as florestas filtram a água, aumentam os níveis de umidade do ar e a incorporam mais profundamente na terra, evitando a sua evaporação”.

A América Latina e o Caribe recebem 29% das precipitações do planeta e possuem 23,4% da área florestal mundial, recursos estratégicos para a segurança alimentar e a geração de serviços ecossistêmicos.

Em nível mundial, os vales hidrográficos e as áreas pantanosas proporcionam até 75 por cento dos recursos de água doce; por exemplo, mais de 70% da pluviometria do Vale do Rio da Prata, na América do Sul, se origina a partir da evaporação e transpiração da selva amazônica.

Segundo a FAO, as florestas também podem reduzir os efeitos das inundações e prevenir e reduzir a salinidade das terras áridas, e a desertificação.

A seca é um dos sintomas mais negativos da mudança climática. Mediante o armazenamento da água, as árvores e as florestas podem fortalecer a resistência às secas.

Combater o desmatamento para cuidar da água

A FAO conclama os governos a intensificarem o manejo das florestas e reduzirem o desmatamento, como uma ferramenta para melhorar a quantidade e qualidade da água disponível.

Nas últimas décadas, a perda de área florestal na região foi reduzida. Entre 1990 e 2000, foram perdidos 4,45 milhões de hectares por ano, enquanto que entre 2010 a 2015 essas perdas foram reduzidas para 2,18 milhões de hectares, principalmente devido a uma diminuição das perdas no Brasil, Mesoamérica e Cone sul.

No Caribe, houve um aumento líquido das áreas florestais, que cresceram onde, antes, havia plantações de cana-de-açúcar e outras atividades agrícolas. Este aumento é particularmente evidente em Cuba, República Dominicana, Porto Rico e Trinidad e Tobago.

Fora do Caribe, Chile, Costa Rica e Uruguai são os únicos países que apresentaram um aumento na área florestal durante o período 2010-2015.

Entretanto, as perdas líquidas anuais da região continuam sendo muito superiores às perdas globais. "Quando o desmatamento se eleva, gera-se erosão do solo e se altera a qualidade da água. As florestas regulam o regime hídrico e, quanto mais natural seja o ecossistema, mais efetiva será essa função”, explica Meza.
Meza destaca que, além de proteger o desaparecimento da água de qualidade, o correto manejo florestal reduz a pobreza, mediante a criação de postos de trabalho, produção de alimentos, prevenção de incêndios florestais, proteção dos vales hidrográficos, assim como a prestação de outros serviços, tais como a eliminação de dióxido de carbono do ar que respiramos.

Extração de água duplicou na América Latina


A situação dos recursos hídricos da região é dupla: alguns dos lugares mais áridos e úmidos do planeta se encontram na América Latina e Caribe. Isto significa que a disponibilidade de água varia consideravelmente entre países e mesmo entre áreas distintas de um mesmo país.

Segundo a FAO, nas três últimas décadas, a extração de água foi duplicada na América Latina e Caribe, em um ritmo muito superior à média mundial. Nesta região, o setor agrícola, e especialmente a agricultura de irrigação, utiliza a maioria da água, responsável por cerca de 70% das extrações. Em seguida, há a extração para uso doméstico, com cerca de 20%, e a indústria, com 10%.

Fonte: http://site.adital.com.br/

O Brasil está mais violento. Especialmente entre negros e em cidades do interior



<br>Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br
Um a cada dez assassinatos cometidos no mundo acontece no Brasil. Só em 2014, quase 60 mil pessoas foram assassinadas no país. O número é recorde e coloca o Brasil na 11ª posição em um ranking de 157 países.

Os índices foram divulgados nesta terça-feira (22) no Atlas da Violência, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Eles mostram que, entre 2004 e 2014, a piora é geral. Mas há uma grande diferença na maneira como a violência atinge a população negra e a branca. Entre pretos e pardos, categorizados como negros, a taxa de homicídios cresceu 14,5%; entre os brancos, indígenas e orientais, houve queda de 18,2%. Para cada pessoa de outra etnia assassinada, 2,4 negros foram mortos.

Além disso, a violência tem se concentrado em cidades menores no interior: grandes capitais ficam de fora da lista de municípios com maior aumento de homicídios.

E políticas públicas na área de segurança têm resultados práticos: os Estados que adotaram programas específicos para a área são os que tiveram os melhores resultados na diminuição da taxa de homicídios.

Por que a taxa de homicídios continua crescendo

O Brasil concentra 10% de todos os assassinatos no mundo, apesar de responder por apenas 2,7% da população mundial. Entre 2004 e 2014, o número de homicídios subiu de 48.909 para 59.627 no país.

Proporcionalmente à população, os homicídios também não pararam de crescer

O índice geral de violência no país continua crescendo, apesar da diminuição no desemprego e desigualdade e no aumento da renda e do acesso à educação nos últimos dez anos.

Um dos coordenadores do Atlas, o economista Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) diz que o aumento de renda pode ter sido um dos fatores determinantes para a alta da taxa de homicídios.
 
“Na década de 2000, a renda cresceu muito. Muita cidade pequena que não tinha renda passou a ser um mercado viável para as drogas, o que traz consigo a violência.” (Daniel Cerqueira, Economista do Ipea)

Para Silvia Ramos, coordenadora do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) da Universidade Cândido Mendes, os números contrariam a ideia de que o problema da violência tende a se resolver por si mesmo à medida que melhoram indicadores sociais.

Além disso, os números persistem porque, nos últimos anos, não foram tomadas medidas enérgicas para solucionar a questão. Um dos motivos para isso é, segundo Silvia, o fato de o aumento da taxa de homicídios atingir apenas os negros.

“Se essa taxa de homicídios fosse transferida para os Jardins, Copacabana, Leblon por um mês, teríamos uma resposta muito rápida, porque não toleraríamos a ideia de que jovens em que estamos investindo estivessem morrendo.” (Silvia Ramos, Pesquisadora do Cesec da Universidade Cândido Mendes)

A apreensão de armas de fogo no Brasil caiu. Isso pode significar um controle menor sobre esse tipo de artefato, responsável por mais de 76% dos assassinatos cometidos no país.

Negros são, mais uma vez, a população mais atingida

A pesquisa aponta que a piora da taxa de homicídios (um crescimento de 14,6%) ocorreu apenas para quem é negro. Para brancos, orientais e indígenas, a taxa caiu 18,2%.

De acordo com o estudo, uma possível explicação para a diferença é o fato de que a taxa de homicídio caiu mais nos Estados com proporcionalmente menos negros, como no Paraná, e cresceu naqueles com maior população negra, concentrados no Nordeste.

Apesar disso, mesmo dentro dos Estados houve uma grande diferença entre os dois grupos. Veja o caso de Alagoas, por exemplo:

“[Em 2014] Alagoas era a segunda Unidade Federativa com menor taxa de homicídio de não negros (7,8 por 100 mil indivíduos não negros), era também a Unidade Federativa com maior taxa de homicídio de negros (82,5), o que implica dizer que, na terra de Zumbi dos Palmares, para cada não negro assassinado, outros 10,6 negros eram mortos, em 2014.”

Silvia Ramos destaca que o jovem negro no Brasil tem uma tendência maior de ser pobre, viver em áreas com índices altos de criminalidade e ter menos anos de estudo - todos fatores que diminuem a sua segurança.

15,7 vezes

É o quanto aumenta a probabilidade de um jovem com escolaridade inferior a sete anos de estudo sofrer homicídio em comparação com aqueles que possuem ensino superior completo

“Quando há um aumento nos homicídios dos jovens negros, sabemos que há um aumento nas áreas mais pobres, na periferia”, diz Silvia.

Ainda assim, mesmo entre indivíduos com os mesmos indicadores sociais e morando na mesma região, a probabilidade de um negro ser morto é 21% maior.

“Um ditado conhecido em todas as polícias é a seguinte ‘negro parado é suspeito, negro correndo é bandido’. É uma frase muito comum que retrata o negro não como indivíduo, mas objeto perigoso com características negativas, o que aumenta as chances de que seja morto pela polícia.” (Daniel Cerqueira, Economista do Ipea)

Cidades menores estão entre as mais violentas

Enquanto Sudeste e Centro-Oeste mantiveram estáveis suas taxas de homicídio, Nordeste e Sul tiveram piores índices.

Há uma tendência de piora da taxa de homicídio em municípios menores do interior, como Senhor do Bonfim, na Bahia, que teve alta de 1136,9% entre 2004 e 2014, ou Cajazeiras, na Paraíba, que teve alta de 771%.

Índice de assassinatos em cidades brasileiras
Onde o combate à violência mostrou resultados

Embora os números tenham mostrado que o problema da violência é persistente no país, há locais que tiveram uma melhora geral em seus índices.

O Estado de Pernambuco, por exemplo, foi classificado como “uma ilha de diminuição de homicídios no Nordeste”: houve uma queda de 27,3% no índice de assassinatos. A melhora nos índices pode ser atribuída a programas como o Pacto Pela Vida, implementado em 2011, que integrou as forças policiais.

Em São Paulo, a criação de um bom sistema de informações sobre criminalidade, e no Rio de Janeiro, a criação das Unidades de Polícia Pacificadora, também podem ser consideradas iniciativas bem-sucedidas para a melhora geral nos índices.

Outro fator que contribuiu de maneira positiva, segundo o estudo, foi o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003. O estudo estima que, se ele não tivesse sido implementado, o número médio de homicídios entre 2011 e 2013 seria de 77.889, e não de 55.113.

Fonte: https://www.nexojornal.com.br

Cepal: América Latina passou a ter mais 7 milhões de pobres em 2015


O número de pobres na América Latina e no Caribe aumentou em sete milhões em 2015, passando de 168 milhões a 175 milhões de pessoas, como consequência da contração econômica que a região enfrenta, segundo projeções da Cepal divulgadas nesta terça-feira.

“Segundo as projeções do organismo, em 2015 a taxa regional de pobreza aumentou a 29,2% dos habitantes da região (175 milhões de pessoas) e a taxa de indigência a 12,4% (75 milhões de pessoas)”, informou a Comissão Econômica para a América e o Caribe, em Santiago.

O número se compara desfavoravelmente com os resultados de 2014, quando foram registradas 168 milhões de pessoas pobres, um aumento de dois milhões em relação ao ano anterior, de acordo com os novos dados fornecidos pelo organismo técnico das Nações Unidas com sede em Santiago.

“O aumento da quantidade de pessoas pobres constatado em 2014 aconteceu basicamente entre os pobres não indigentes, e foi consequência de díspares resultados nacionais, elevando-se em alguns países e diminuindo em um número significativo deles”, explicou o documento.

A contração de 0,4% projetada para a economia regional durante este ano, arrastada pela queda no valor das matérias-primas e pela recessão brasileira, teria impactado os dados de pobreza da América Latina durante 2015.

Para reduzir seus níveis de pobreza, “a América Latina deve gerar mais emprego de qualidade, com direitos e proteção social, proteger o salário mínimo e o gasto social, que aponta uma redução em seu ritmo de crescimento”, indicou Alicia Bárcena, secretária executiva da Cepal.

Até 2012, após uma década de crescimento econômico, a região conseguiu reduzir em 15,7% seus níveis de pobreza.

Fonte: http://oglobo.globo.com/

Quatro sombras afligem a realidade brasileira [Leonardo Boff]


A primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo dominado: sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o que é estrangeiro é bom.

A segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce manchará para sempre a memória nacional.

Consequência: temos dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio não é ainda considerado plenamente "gente”, por isso suas terras são tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma tradição de intolerância e negação do outro.

A terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5 milhões de pessoas foram trazidas da África como "peças” a serem negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala.

Gilberto Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal, mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salário é caridade e não direito.

Predominou o autoritarismo; o privilégio substitui o direito. Criou-se um Estado para servir aos interesses dos poderosos, e não ao bem de todos, e uma complicada burocracia que afasta o povo.

Raymundo Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação e reforma no Brasil) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de injustiças sociais.

Uma sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si.

Nasceu uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico, sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.

A coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central. Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.

Mas uma quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção. Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy Barbosa no Parlamento.

Setores importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam. Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido. Devem ser julgados e punidos.

A justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT respondeu à altura.

As quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora, manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C.G.Jung, para que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.

Nunca fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas relações sociaispara tornar a nossa sociedade menos malvada.

Morte e Ressurreição: Só ressuscita quem morre primeiro (Lucas 23,44-24,12) [Mesters e Lopes]


Neste relato, Lucas conta como foram a morte, o enterro e a ressurreição de Jesus. Mas ele conta os fatos de tal maneira, que a gente consiga perceber a semente de esperança e de vida nova que pode nascer da crise, da dor e da morte. Na hora em que a luz bate nos olhos, tudo escurece. Na hora do parto, as dores se anunciam. Na hora da crise, o futuro se abre. Na hora da morte, a vida renasce. 

O texto descreve o que se passou desde a morte e o enterro de Jesus até a experiência da sua ressurreição. Durante a leitura vamos prestar atenção no seguinte: “Quais são, um depois do outro, os acontecimentos descritos neste texto?”
 
SITUANDO

Os inimigos conseguem realizar o seu projeto. Matam Jesus. Vencem, usando o poder da força bruta. Vencem, mas não convencem! Não conseguem destruir nem abafar a bondade e o amor em Jesus. Pelo contrário! Lucas mostra como Jesus, exatamente enquanto está sendo vítima do ódio e da crueldade dos homens, revela a ternura de Deus e nos dá a “suprema prova do amor!” (Jo 13,1). Eis algumas frases de Jesus que só Lucas nos conservou e nas quais transparece a vitória da vida que a morte não conseguiu matar: “Desejei ardentemente comer esta páscoa com vocês” (22,15). “Façam isto em memória de mim!” (22,19). “Simão, rezei por você, para que não desfaleça a sua fé!” (22,32). Na hora da negação de Pedro, Jesus fixa nele o olhar, provocando o choro de arrependimento (22,61). No caminho do calvário, Jesus acolhe as mulheres: “Filhas de Jerusalém, não chorem por mim!” (23,28). Na hora de ser pregado na cruz, ele reza: “Pai, perdoa, porque não sabem o que fazem” (23,34). Ao ladrão pendurado na cruz a seu lado ele diz: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso!” (23,43). Estas frases nos dão os olhos certos para ler e saborear a descrição da morte, do enterro e da ressurreição de Jesus.
 
COMENTANDO

Lucas 23,44-46: A morte de Jesus

Jesus está pendurado na Cruz. A morte está chegando. Ao meio-dia, o sol escurece, as trevas invadem a terra. Estes fenômenos da natureza interpretam o significado da morte de Jesus. Simbolizam a chegada do Reino. O véu do san¬tuário rasgou-se ao meio. Terminou a vigência do Antigo Testamento, simboli¬zado pelo Templo, cujo véu separava Deus do resto do mundo. Pela sua vida, paixão, morte e ressurreição, Jesus trouxe Deus para perto de nós e revelou a sua presença em tudo que existe e acontece. Na hora de morrer, Jesus dá um forte grito. O grito do povo oprimido deu início ao primeiro êxodo (Ex 2,23-25), pois Deus escutou o grito do povo. Escuta também o grito de Jesus, fazendo com que se realize o novo êxodo. Jesus resume toda a sua vida dizendo: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Com esta frase do salmo (Sl 31,6), Jesus devolve ao Pai o Espírito que dele tinha recebido na hora do batismo (Lc 3,22).

Foi na força do Espírito que Jesus iniciou a sua missão. É na força do mesmo Espírito que ele a encerra.

Lucas 23,47-48: As reações diante da morte de Jesus


Um estrangeiro, centurião do exército romano, vendo o que acontecera na hora da morte de Jesus, faz uma profissão de fé: “Realmente, este homem era um justo!” Justo é aquele que realiza o objetivo da Lei de Deus. Jesus realizou a Lei, transgredindo normas inúteis, abrindo novos caminhos e acolhendo a todos, inclusive aos pagãos. A multidão, vendo o que tinha acontecido, volta para casa batendo no peito. Reconhece o erro que cometeu pedindo a conde-nação de Jesus.

Lucas 23,49: As testemunhas da morte de Jesus

Os amigos e as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galileia per-manecem à distância, observando tudo. Testemunham que foi assim que Jesus morreu. Aqui, Lucas indica a fonte de onde recolheu parte do material que aca¬ba de contar.

Lucas 23,50-54: O enterro de Jesus

José de Arimateia, membro do Sinédrio, que não concordara com a conde-nação de Jesus, cuida do enterro. Jesus é enterrado num sepulcro novo, talhado na rocha. Realiza-se, assim, outra profecia de Isaías sobre o Servo que dizia: “Seu túmulo está com os ricos” (Is 53,9 – Crossan: “profecia historicizada”). Lucas insiste em dizer: “Era o dia da Preparação. O sábado estava quase começando”. O sábado é o 7° dia. Estava ter¬minando o 6° dia da nova criação. Jesus descansa no 7° dia.

Lucas 23,55-56: As mulheres, testemunhas do enterro de Jesus

As mulheres testemunham também o lugar onde foi colocado o corpo de Jesus. Havia, ali, muitos sepulcros, alguns fechados, outros abertos. Quem não soubesse bem onde Jesus havia sido enterrado poderia enganar-se. Mas elas seguem José de Arimateia, observam bem o túmulo, veem o lugar, fixam na memória. Aquele sepulcro aberto do domingo de Páscoa é realmente de Jesus! Não é um engano! Em seguida, elas voltam para casa, preparando aromas e perfumes para poder ungir o corpo de Jesus depois do descanso do sábado.

Lucas 24,1-3: Os fatos encontrados: túmulo vazio, pedra removida

Seguindo de perto o Evangelho de Marcos, Lucas oferece informações de-talhadas sobre a hora e o lugar. Estes detalhes sugerem que as mulheres são pessoas de confiança para testemunhar a ressurreição. Elas estão convencidas de que Jesus está morto, pois vão para o túmulo para ungi-lo. A sua fé na res¬surreição não foi fruto de fantasia, mas algo totalmente inesperado. Quando chegam ao sepulcro, veem que a pedra já tinha sido removida. Entrando dentro do sepulcro não encontram o corpo de Jesus. Estes são os fatos. Qual é o seu significado?

Lucas 24,4-8: O significado dos fatos: o anúncio da ressurreição

Dentro do sepulcro, elas encontram dois homens em vestes fulgurantes que lhes interpretam o significado destes fatos inexplicáveis: “Jesus está vivo. Ele ressuscitou!” Elas lembram as palavras do próprio Jesus e as palavras da Escritura. Daqui para a frente, a palavra de Jesus e a palavra da Escritura têm ambas o mesmo valor.

Lucas 24,9-12: Os apóstolos não acreditam no testemunho das mulheres


Lucas diz quem são as mulheres: Maria Madalena, Joana e Maria, a mãe de Tiago, bem como as outras que estão com elas. Voltando do sepulcro, elas anun¬ciaram a Boa Nova aos Onze, mas estes não lhes dão crédito. Não foram capazes de crer no testemunho das mulheres. Dizem que é um “desvario”, invenção, fofoca. Naquele tempo, as mulheres não podiam ser testemunhas. Ao transmitir a elas a ordem de anunciar a Boa Nova da ressurreição, Jesus estará pedindo uma mudança total na cabeça das pessoas. Deviam dar crédito a quem, dentro da sociedade daquele tempo, não merecia crédito. Assim, começou a subversão do anúncio da ressurreição! Lucas termina dizendo que Pedro vai ao túmulo, encontra-o vazio e volta para casa. Mas não chega a crer. Fica apenas surpreso.
 
ALARGANDO

1. A experiência da ressurreição aconteceu, primeiro, nas mulheres (Mt 28,9-10; Mc 16,9; Lc 24,4-11.23; Jo 20,13-16); depois, nos homens. Ela é a confirmação de que, para Deus, uma vida vivida como Jesus é vida vitoriosa. Deus a ressuscita! Em torno desta Boa Nova surgiram as comunidades. Crer na ressurreição o que é? É voltar para Jerusalém, de noite, reunir a comunidade e partilhar as experiências, sem medo das autoridades dos judeus e dos romanos (Lc 24,33-35). É receber a força do Espírito, abrir as portas e anunciar a Boa Nova à multidão (At 2,4). É ter a coragem de dizer: “É preciso obedecer antes a Deus que aos homens” (At 5,29). É reconhecer o erro e voltar para a casa do pai: “Teu irmão estava morto e voltou a viver” (Lc 15,32). É sentir a mão de Jesus ressuscitado que, nas horas difíceis, nos diz: “Não tenha medo! Eu sou o Primeiro e o último. Sou o Vivente. Estive morto, mas eis que estou vivo para sempre. Tenho as chaves da morte e da morada dos mortos” (Ap 1,17s). É crer que Deus é capaz de tirar vida da própria morte (Hb 11,19). É crer que o mesmo poder usado por Deus para tirar Jesus da morte opera também em nós e nas nossas comunidades, através da fé (Ef 1,19-23).

2. Até hoje, a ressurreição acontece. Ela nos faz experimentar a presença libertadora de Jesus na comunidade, na vida de cada dia (Mt 18,20) e nos leva a cantar: “Quem nos separará, quem vai nos separar, do amor de Cristo, quem nos separará? Se ele é por nós, quem será contra nós?” Nada, ninguém, autoridade nenhuma é capaz de neutralizar o impulso criador da ressurreição de Jesus (Rm 8,38-39). A experiência da ressurreição ilumina a cruz e a transforma em sinal de vida (Lc 24,25-27). Abre os olhos para entender o significado da Sagrada Escritura (Lc 24,25-27.44-48) e ajuda a entender as palavras e gestos do próprio Jesus (Jo 2,21-22; 5,39; 14,26). Uma comunidade que quiser ser testemunho fiel da Boa Nova da Ressurreição deve ser sinal de vida, lutar pela vida contra as forças da morte. Sobretudo aqui na América Latina, onde a vida do povo corre perigo por causa do sistema de morte que nos foi imposto.

Messias Crucificado? Que loucura! [Mercedes Lopes]

A vida de Jesus, suas ações e ensinamentos extrapolaram o senso comum dos seus contemporâneos. Suas chocantes parábolas quebravam a lógica dos sacerdotes e doutores da Lei, faziam pensar, provocavam mudança, geravam resistências. Seu projeto de “mesa comum” era um paradoxo para a visão legalista da religião do seu tempo.

Em vez de preocupar-se com o cumprimento da “lei da pureza” (Lv 11-16), que excluía e discriminava pessoas como impuras, Jesus proporciona a experiência sagrada da comensalidade aberta. Homens e mulheres de diferentes posições sociais e situações pessoais podiam sentar-se juntos e compartilhar o pão. Esta é uma característica fundamental do Reinado de Deus anunciado e vivenciado na prática de Jesus.

Este inédito ministério de Jesus durou pouco. Somente uns três anos, pois desde o início encontrou uma grande oposição do sistema do templo, que se uniu ao poder civil e conseguiu prender Jesus, torturá-lo e crucificá-lo. Mas, Deus o ressuscitou, o levantou da morte, confirmando seu Projeto! A experiência da ressurreição congrega, na Galileia, os discípulos que se haviam dispersado, depois do aparente fracasso da Cruz. Surpreendentemente, a voz para esta articulação era das mulheres (Mc 16,7; Mt 28,8). Com certeza, foi um recomeçar muito tímido e modesto, este, da comunidade da Galileia.

A Cruz não tem lógica, nem pode ser explicada! 

Cerca de seis anos mais tarde, Saulo entra em contato com a Boa Nova de Jesus, o Nazareu (At 6,14), através da pregação e do testemunho de Estevão, que transbordante de sabedoria e dom do Espírito (At 6,10), dava continuidade ao movimento iniciado por Jesus de Nazaré. Paulo observava o martírio de Estevão, porém ainda estava preso à lógica do discurso religioso oficial e não se deixou tocar pelo paradoxo de um Messias Crucificado, de um amor que não se poupa, de uma gratuidade que se dá totalmente, na liberdade escolhida.

No caminho para Damasco, inicia-se em Saulo um processo de conversão que durou anos. O clímax deste processo acontece na sua dolorosa experiência de fracasso em Atenas. Foi uma profunda experiência de rejeição por parte dos gregos que levou Paulo a resgatar com insistência e convicção a mensagem do Messias Crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos (1Cor 1,23). Mas, que experiência foi essa? Em Atenas, depois de percorrer a cidade e observar aspectos importantes da cultura grega, Paulo preparou com muito cuidado um discurso. Preocupado em gerar um debate que levasse ao conhecimento da boa-nova de Jesus, Paulo elaborou sua fala a partir das regras de retórica dos gregos (At 17,22-31). Mas, não falou da Cruz. Falou somente de Jesus e da sua ressurreição. Para os gregos, que já tinham tantos casais de deuses, o anúncio de Jesus e sua anástasis (ressurreição) não trazia nenhuma novidade! Disseram-lhe: “Até logo! Nós ouviremos você falar disso em outra ocasião!” (At 17,32). Decepcionado, Paulo descobriu que não se pode falar de ressurreição sem falar da Cruz. Descobriu também que a Cruz não tem lógica, nem existem discursos capazes de explicá-la! (At 17,33).

Depois dessa experiência, Paulo seguiu para Corinto e ficou um tempo sem pregar, trabalhando como artesão, junto com Priscila e Áquila (At 18,1-4). Ele deve ter aprendido muito com esta experiência de fracasso, porque faz memória das marcas que ficaram em seu corpo e em seu estilo de pregação: “Quando fui me encontrar com vocês, irmãos, não me apresentei com o prestígio da palavra ou da sabedoria para anunciar-lhes o mistério de Deus. Eu não quis saber de outra coisa, entre vocês, do que de Jesus Cristo, e Jesus Crucificado. Estive cheio de fraqueza, receio e tremor entre vocês. Minha pregação nada tinha da linguagem persuasiva da sabedoria, mas era uma demonstração de Espírito e poder…” (1Cor 2,1-5).

Uma comunidade imatura e dividida. 

Mais tarde, estando já em Éfeso, Paulo ficou sabendo que a comunidade de Corinto estava dividida, que gostavam de ouvir discursos bem elaborados e que fãs dos evangelizadores formavam grupos rivais: “Eu sou de Paulo!”, ou “Eu sou de Apolo!”, ou “Eu sou de Cefas!”, ou “Eu sou de Cristo!” (1Cor 1,12). Sofrendo, Paulo escreveu uma carta para esta comunidade ainda tão imatura, buscando mostrar a diferença entre a sabedoria do mundo e a sabedoria da Cruz, sem ignorar a sabedoria humana, mas apresentando-a como dom de Deus (1Cor 1,21).

Agora, Paulo foca sua pregação na loucura da Cruz, que é loucura de Deus (1Cor 1,25). E a loucura de Deus é expressão do seu amor sem limites, manifestado na humanidade plena do Messias Crucificado. E a loucura de Deus transparece também na fragilidade das pessoas que formam a comunidade: “Olhem para vocês mesmos, irmãos! Entre vocês não há muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de famílias importantes. Mas, o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os sábios. E o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte…” (1Cor 1,26-31).

Para a visão do mundo, a paixão pelo Reino é uma loucura.

Hoje, quanto mais nos aproximamos de Jesus, através dos Evangelhos, mais percebemos a paixão que o levou a viver intensamente, descuidado de si, apaixonadamente entregue ao projeto do Pai, dedicando sua vida ao serviço dos pequeninos, das pessoas pobres e discriminadas, excluídas do acesso direto a Deus, pelo sistema do templo. Uma entrega tão intensa que ele nem encontrava tempo para comer. Seus familiares e amigos chegaram a pensar que ele havia ficado louco: “Quando os seus tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, porque diziam: ‘perdeu o juízo’” (Mc 3,20-21).

Jesus ama sem medida, é sensível ao sofrimento e deixa-se tocar pela dor das pessoas, sobretudo das mais frágeis. Ao se encontrar com a viúva que ia enterrar o seu filho único, Jesus ama aquela mulher desconhecida: “Mulher, não chores!” Quem ama como Jesus, vive aliviando o sofrimento e secando lágrimas.

Jesus olhava para a multidão e comovia-se: via seu povo sofrendo, desorientado como ovelhas sem pastor. Rapidamente, punha-se a curar os mais doentes ou a alimentá-los com as suas palavras. Quem ama como Jesus, aprende a olhar os rostos das pessoas com compaixão. Está sempre disponível. Não pensa em si mesmo. Atende qualquer chamado, toda solicitação, disposto sempre a fazer algo pela pessoa. Acolhe o mendigo cego, que grita e irrita a todos: “Que queres que faça por ti?” Com esta atitude anda pela vida quem ama como Jesus.

Jesus sabe estar junto aos mais desvalidos. Nem mesmo espera que lhe peçam. Cura doentes, liberta consciências, contagia de amor e confiança em Deus. Mas não pode resolver todos os problemas daquelas pessoas. Então, dedica-se a fazer gestos de bondade. Abraça as crianças da rua: não quer que ninguém se sinta órfão. Abençoa os doentes: não quer que se sintam esquecidos por Deus. Acaricia a pele dos leprosos: não quer que se vejam excluídos. Assim são os gestos de quem ama como Jesus. Esta é a loucura que confunde o mundo!

Perguntas para a reflexão:
1 – Qual é a relação fundamental entre Cruz e loucura?
2 – Quais os sinais de imaturidade humana e de fé que você encontra em pessoas que dizem acreditar em Jesus Cristo?
3 – Que loucuras manifestam o seguimento fiel de Jesus das pessoas que professam sua fé em Jesus?


Bibliografia:
LÓPEZ, Rolando. “La Cruz em 1 y 2 Corintios Cartas desde La practica de las comunidades”, em Revista de Interpretación Bíblica Latinoamericana – RIBLA, nº 20, Quito, 1995, p.99-113.
PAGOLA, José Antônio. Jesús Aproximación histórica, Madrid: PPC, 2007.
Vida Religiosa A loucura que Deus escolheu para confundir o mundo. ERB – Equipe de Reflexão Bíblica, Brasília: Conferência dos Religiosos do Brasil, 2012.

Prisão de Jesus (Lc 22,39-53) [Ildo Bohn Gass]



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Enquanto estava em Jerusalém, Jesus passava o dia ensinando no templo e pernoitava no monte chamado das Oliveiras (Lc 21,37). Depois de celebrar a ceia com os doze, nosso texto começa dizendo que, como de costume, foi para o monte das Oliveiras (Lc 22,39). Só que agora, Judas Iscariotes conhecia o lugar onde Jesus passava a noite com seu grupo. E Jesus sabia que Judas deixara se subornar pelos sumos sacerdotes e que estava fazendo o jogo deles para o entregar. Nesta, que é a sua noite derradeira, ele está diante de duas opções, uma vez que está iminente a possibilidade de ser capturado pela cúpula do templo, sumos sacerdotes e anciãos, amparada pelos comandantes da guarda do templo (Lc 22,52). João lembra que também um batalhão romano reforçava o aparato repressivo (Jo 18,3). Jesus ainda tinha tempo de desistir do projeto do Pai e tentar salvar a sua própria pele. E esta foi sua última tentação: Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice (Lc 22,42a). No entanto, ele decidiu ser fiel até o fim: contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua (Lc 22,42b), mesmo que essa opção lhe custasse a vida.

Na primeira parte da narrativa (Lc 22,39-46), encontramos Jesus resistindo contra sua última tentação. E resistiu sozinho, pois nem recebeu o apoio de seus discípulos, que dormiram em vez de orar com ele, apesar de sua insistência (Lc 22,40.46). E era preciso muita força para vencer a tentação de não ser fiel à missão para a qual o Espírito do Senhor o havia ungido (Cf. Lc 4,18-19). Então, solitário e com profunda angústia humana, Jesus busca na comunhão com o Pai, na oração, as forças para perseverar até o fim e, apesar de uma situação tão extrema, revelar em suas atitudes o agir do próprio Pai (Lc 22,41.44.45).

Na segunda parte (Lc 22,47-53), uma vez vencida a tentação de desistir, temos o relato da covarde prisão de Jesus pelas autoridades do templo à noite, para que o povo nada percebesse (Lc 22,2; 20,19). Judas, com a saudação usual entre amigos, traiu seu mestre com um beijo, identificando quem deveria ser preso. Os discípulos reagem com violência. Jesus, no entanto, recusa a violência e, para além disso, ainda cura o ferimento na orelha do servo do sumo sacerdote (Lc 22,50-51). Assim, Jesus mesmo dá o exemplo de amor aos inimigos, de fazer o bem aos que vos odeiam, de falar bem dos que falam mal de vós e de orar por aqueles que vos caluniam (Lc 6,27-28). Jesus também desmascara a covardia das autoridades. Se ele fazia o confronto abertamente no templo, anunciando a verdade do Evangelho, anciãos, a elite econômica, e sumos sacerdotes, a elite religiosa, entretanto, fugiam das verdades do Reino para prendê-lo com espadas e paus às escondidas como se fosse um bandido (Lc 22,52-53). Naquele tempo e ainda hoje, esse é o comportamento hipócrita de quem está no poder, fazendo tudo para garantir seus privilégios, sejam religiosos, políticos ou econômicos. Eles acusam de hereges, terroristas, desordeiros e vagabundos a quem luta por justiça e vida digna para todas as pessoas.

Para perseverar na fidelidade a Jesus e a seu projeto, além da força da comunidade que celebra a partilha ao redor da mesa, é fundamental uma vivência pessoal de oração, de íntima comunhão com o Espírito de Deus, a fim de não cairmos na mesma tentação de Pedro: ‘Mulher, eu nem o conheço!’ ‘Não, homem, eu não!’ ‘Homem, não sei de que estás falando!’ (Lc 22,57-60). E quando cedemos diante das tentações, importa ter a mesma atitude de Pedro, isto é, reconhecer a queda e mudar de vida (Lc 22,61-62).
 
*Por Ildo Bohn Gass, biblista e autor de diversos livros pelo CEBI, entre eles Quatro retratos do apóstolo Paulo e Satanás e os demônios na Bíblia .
 

Páscoa Peregrina [Luiz Carlos Ramos]



Prólogo

Meu nome é Simão, que significa “aquele que ouve”, assim como Simone, Simon, Ximenes, Simeão, Saymon. Sou natural de Cirene, que fica no norte da África. Já faz um século que estamos sob o domínio romano. Aprendemos a adorar ao Deus único com nossa rainha ancestral, que ficou conhecida como a Rainha de Sabá, que por sua vez o aprendeu do sábio Rei Salomão.

Cresci ouvindo que todos deveríamos nos esforçar para, ao menos uma vez na vida, peregrinar até Yerushalem, a Cidade da Paz, e participar das solenidades da Páscoa. Pois, finalmente, aqui estou. Depois de uma longa jornada de mais de 1500 quilômetros, quase seis meses de viagem, durante a qual enfrentei, com meus companheiros de viagem, o calor causticante dos dias e o frio congelante das noites no deserto. Venci terríveis tormentas e tempestades de areia, cruzei montanhas e vales, escapei das ameaças de malfeitores e salteadores, tive fome e sede, e não desfaleci graças à hospitalidade e solidariedade de outros peregrinos como eu… Aqui cheguei, finalmente, com a graça do Eterno.

E como reza a tradição, já vesti meu traje de linho branco sem mácula para poder participar da cerimônia da aspersão do sangue do cordeiro e obter o perdão dos meus pecados. Pretendo levar esta mesma roupa, com as marcas do sangue do cordeiro, para mostrar a todos da minha família e do meu povo, como prova de que estive aqui e de que recebi o perdão do Eterno.

No caminho para o Templo, devo passar pelo palácio de Pôncio Pilatos, governador da província romana da Judeia, responsável pela cobrança dos impostos e também encarregado de pôr fim às rebeliões frequentes que costumam acontecer por aqui.

Com esses romanos é melhor não brincar. Eles costumam ser implacáveis. Sei disso por experiência própria e por ver como eles nos tratam lá em Cirene.

Primeira Estação: Jesus é condenado à morte (cf. Marcos 15)

Eis, aí está o suntuoso palácio. Mas parece haver um tumulto… Que é que está acontecendo? Quem é aquele vestido com tanta pompa? Não acredito, só pode ser o próprio Pilatos. Daqui dá até para ouvir o que ele diz: «Escutem, quero que todos saibam que não encontro nenhum delito neste homem».

Perguntei a alguém da multidão de quem ele estava falando. Disseram-me que se referia a um nazareno chamado Jesus. E logo vi sair Jesus usando uma coroa de espinhos e trajando um manto púrpura. Pilatos olhou para a multidão e disse: «Aqui está o homem!»

Quando o viram os principais sacerdotes e os seus guardas, gritaram: «Crucifica-o! Crucifica-o!» e diziam: «Temos uma lei, e, de conformidade com a lei, ele deve morrer, porque a si mesmo se fez Filho de Deus.»

Fiquei espantado com tudo aquilo. Como pode ser isso, estão gritando, pedindo a crucificação de alguém que não é culpado de nada? Mas os líderes religiosos criaram uma situação tal que Pilatos não teve outra alternativa, a não ser entregá-lo para que fosse crucificado.

Segunda Estação: Jesus carrega a cruz (Cf. Isaías 53.4-5; João 19.17; Lucas 9.23-24)


Tomaram eles a Jesus; e ele próprio, carregando a sua cruz, saiu para o lugar chamado Calvário, Gólgota em hebraico (esse lugar tinha esse nome porque tinha a forma de uma caveira). O condenado tinha suas costas em carne viva pelas chicotadas que recebera. E os ferimentos causados pela coroa de espinhos fazia parecer que suava e chorava sangue.

Olhando para sua expressão, tive a impressão de que era o nosso sofrimento que ele estava carregando, era a nossa dor que ele estava suportando. Não era por causa das suas próprias culpas que Deus o estava castigando, que Deus o estava maltratando e ferindo. Ele estava sofrendo por causa dos nossos pecados, estava sendo castigado por causa das nossas maldades. Era como se nós fossemos curados pelo castigo que ele sofreu, sarados pelos ferimentos que ele recebeu.

Contaram-me que ele dizia a todos: «Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Porque qualquer que quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida a salvará.»

Terceira Estação: Simão Cirineu ajuda a carregar a cruz (cf. Marcos 15.21-22; Mateus 27.32-33; Atos 13.1; Gálatas 6.2; Colossenses 1.24)

Eu  ali, perplexo, acompanhando aquele homem desfigurado pela tortura e pela humilhação, quando senti uma mão pesada sobre meus ombros. Um soldado rude e ameaçador gritava comigo: «Anda, negro, carregue a cruz desse infeliz, senão não chegaremos nunca àquela Caveira.»

Eu conhecia a truculência dos soldados romanos o suficiente para saber que eu também não teria alternativa. Por que eu? Talvez porque estava na cara que eu era estrangeiro. Talvez por causa da cor da minha pele. Talvez porque notassem que eu estava compadecido e me solidarizava com aquele homem.

Era uma cruz pesada. Tão pesada que aquele homem torturado não poderia levá-la sozinho. A madeira me pesou nos ombros, feriu-me. Carreguei aquele tronco imundo com muito esforço. E  eu pensava que já não poderia ir ao Templo para receber o perdão. Minha roupa de linho branca estava ficando cada vez mais suja. O sangue daquele torturado já havia respingado por toda a minha alvejada túnica. Os sacerdotes nem sequer permitiriam que ebu me aproximasse do altar naquele estado.

Mais tarde ouvi, enternecido, que esse Jesus ensinava que a lei se cumpria quando levamos as cargas uns dos outros. E agora me alegro pelos padecimentos que tenho de suportar por causa do corpo de Cristo, que como aprendi é a sua igreja.

Quarta Estação: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém (cf. Lucas 23.27-31)

A subida para o Gólgota era acompanhada de grande multidão e havia um grupo de mulheres que choravam e se lamentavam. Jesus dirigiu a elas um olhar, que era ao mesmo tempo manso e fundo, e lhes disse: «Mulheres de Jerusalém, não chorem por mim, mas por vocês e pelos seus filhos!»

Como pode ele, em tais circunstâncias e em tamanha agonia, preocupar-se com o choro das mulheres e com os filhos delas? Poderá haver alguém assim, que até na hora da morte deixa de se preocupar consigo mesmo pra se compadecer dos mais desprotegidos da sociedade: as mulheres e as crianças?

Quinta Estação: Jesus é despojado de suas vestes (c. João 10.18; 19.23-24)
Esforçando-me para subir com aquele peso às costas, e agitado por aqueles pensamentos que me perturbavam o coração, pude notar os soldados, praticamente indiferentes, discutindo entre si quem ficaria com a túnica do condenado. «É uma bela peça», diziam, «tecida de cima a baixo. Dá dó rasgá-la. Façamos o seguinte, vamos tirar sorte jogando dados para ver quem fica com ela.»

Pensei comigo: «Ladrões!». Mas, mais tarde, convivendo com seus discípulos, soube que ele havia dito «eu dou a minha vida para recebê-la outra vez, ninguém tira a minha vida de mim, mas eu a dou por minha própria vontade. Tenho poder para a dar e poder para tornar a retomá-la».

Sexta Estação: Jesus é pregado na cruz (Cf. Lucas 23.34-43; Marcos 15.23-27)

Cheguei ao topo do Gólgota exausto, sujo do sangue vertido por aquele homem. Com um empurrão me arrancaram a cruz, jogaram-na ao chão, e nela deitaram Jesus para o crucificarem com grandes e pesados pregos.

A dor que sentia era tanta que alguém tentou lhe dar vinho misturado com mirra, para anestesiá-lo, mas ele se recusou a beber…

Não passava muito das nove horas da manhã quando o crucificaram. Fixaram uma placa na cruz com dizeres que indicavam o motivo da sua condenação: «O rei dos judeus».

Com ele, crucificaram também outros dois homens, um à sua direita e outro à esquerda. Disseram que eram ladrões, ou talvez rebeldes, agitadores, subversivos, terroristas.

Se não tivesse visto com meus próprios olhos e ouvido com meus próprios ouvidos, eu não acreditaria que ele teria mesmo dito a respeito dos que o crucificaram: «Pai, perdoa esta gente! Eles não sabem o que estão fazendo.»

Mas todos zombavam de Jesus fazendo comentários de mau-gosto, dizendo que se ele fosse mesmo o Filho de Deus ele deveria descer da cruz. Os soldados também zombavam de Jesus. Até um dos criminosos que estava crucificado ali insultava Jesus dizendo: «Você não é o Messias? Então salve a você mesmo e a nós também!»

Mas o que estava crucificado do outro lado reagiu dizendo ao seu companheiro: «Você não teme a Deus? A nossa condenação é justa, e por isso estamos recebendo o castigo que nós merecemos por causa das coisas que fizemos; mas esse homem não fez nada de mau. Então disse: — Jesus, lembre-se de mim quando o senhor vier como Rei!»

E mais uma vez fui surpreendido pelo crucificado, cuja cruz eu havia ajudado a carregar, quando o ouvi dizer àquele condenado: «Eu afirmo a você que hoje você estará comigo no paraíso.»

Sétima Estação: Jesus morre na cruz (cf. João 19.25-30)

Estavam ao pé da cruz algumas mulheres e um menino. Deduzi que a mulher que parecia ter o coração dilacerado era a mãe do crucificado. As outras poderiam ser parentes, ou amigas da família, certamente pessoas que o amavam muito.

Esse homem a quem acabaram de crucificar só poderia ser mesmo alguém extraordinário. Notei quando se dirigiu à sua mãe, com muita dificuldade e esforço, dizendo a respeito do menino que estava com ela: «Mulher, a partir de agora ele será o seu filho.» E falou pro menino: «Ela agora é a sua mãe.»

Já era por volta das três da tarde. Parece que Jesus sabia que tudo estava terminado. Então, disse: «Estou com sede!» Molharam uma esponja no vinho, puseram a esponja num caniço de hissopo e a encostaram na boca de Jesus. Nessa hora, disse: «Tudo está consumado!» Então baixou a cabeça e morreu.

Oitava Estação: Jesus é retirado da cruz (João 19.31-38)

Para ter certeza de que estava mesmo morto, um soldado atravessou o abdome de Jesus com uma lança.

Logo chegaram uns homens que o retiraram da cruz e o levaram para ser sepultado. Tiveram que fazer isso às pressas porque em breve o sol iria se pôr, e teria início o Shabat, no qual não se pode fazer nenhum trabalho.

Nona Estação: Jesus é Sepultado (João 19.41-42)

Eu estava como que eletrizado por aquele homem que morrera de forma tão admirável. Fiquei, então, pensando em quão extraordinária teria sido a sua vida…

Nas imediações havia um jardim com um túmulo novo onde ninguém ainda tinha sido colocado. E deu pra ver que puseram ali o corpo de Jesus porque o túmulo ficava perto e por isso puderam sepultá-lo em tempo para guardar o Sábado.

Epílogo (cf, Romanos 16.13; 2 Timóteo 4.14)

Fiquei mais uns dias em Jerusalém. As palavras, os gestos, o olhar daquele homem não me saiam do pensamento. Decidi que não poderia retornar sem saber mais a seu respeito. Fui procurar os seus seguidores. Muitos tinham fugido ou se escondido.

Mas, cinquenta dias depois daqueles acontecimentos, sucedeu algo impressionante. De repente os seus discípulos perderam o medo, e saíram pelas praças dizendo que Jesus havia ressuscitado, e que com ele todos nós ganhamos uma nova vida diante de Deus. Uma vida abundante e eterna.

Essa experiência transformou a minha vida para sempre. Hoje, já ancião, me tratam como um  Doutor aqui na igreja em Antioquia, cidade onde vivo a minha velhice. E tenho orgulho de poder dizer que minha esposa e nossos filhos, Alexandre e Rufo, se tornaram amigos muito próximos do grande apóstolo Paulo, com quem também aprendi muito, pessoalmente e por suas cartas, nas quais nos contava mais sobre aquele que ressuscitara dentre os mortos e que hoje vive e reina à destra do Pai e no coração de todas as pessoas que, como eu, aprenderam a amá-lo.

Todas essas transformações na minha vida aconteceram porque fiz uma viagem frustrada até Jerusalém com a  intenção de receber, no Templo, o perdão dos sacerdotes que deveriam aspergir sobre a minha veste de linho branca, com um feixe de hissopo, o sangue de um cordeiro sacrificado.

Quando cheguei em casa, tirei aquela veste rota, suja, maculada, ensanguentada… estava a ponto de a deitar fora… Foi então que me dei conta: Eu tinha voltado purificado. Sim! meus pecados foram todos lavados, e está aqui a prova: O sangue que ficou nesta túnica, não o sangue de um cordeiro qualquer, mas o sangue de um peregrino, que como eu era um excluído entre os excluídos, e que por mim fora condenado sem ser culpado, exilado da justiça dos homens.

Um peregrino que se deixou crucificar, por amor. Que deu a vida para reassumi-la e salvar-nos a todos, igualmente, da morte, e que agora reparte conosco a sua vida, vida abundante, vida plena, vida eterna.

Fonte: http://www.luizcarlosramos.net/