domingo, 30 de outubro de 2016

Onde está o poder hoje no mundo [Leonardo Boff]



Há um fato que deve preocupar todos os cidadãos do mundo: o deslocamento do poder dos Estados-nações para o lado do poder de uns poucos conglomerados financeiros que atuam a nível planetário, cujo poder é maior que qualquer Estado tomado individualmente. Estes de fato detém o poder real em todas as suas ramificações: financeira, politica, tecnológica, comercial, mediática e militar.
 
Este fato vem sendo estudado e acompanhado por um dos nossos melhores economistas, professor da pós-graduação de PUC-SP com larga experiência internacional: Ladislau Dowbor. Dois estudos de sua autoria resumem vasta literatura sobre o tema:”A rede do poder corporativo mundial” e o mais recente de setembro de 2016.
 
É difícil resumir a mole de informações que se apresentam assustadoras. Dowbor sintetiza:
 
“O poder mundial realmente existente está em grande parte na mão de gigantes que ninguém elegeu, e sobre os quais há cada vez menos controle. São trilhões de dólares em mãos de grupos privados que têm como campo de ação o planeta, enquanto as capacidades de regulação mundial mal engatinham. Pesquisas recentes mostram que 147 grupos controlam 40% do sistema corporativo mundial, sendo 75% deles bancos. Cada um dos 29 gigantes financeiros gera em média 1,8 trilhão de dólares, mais do que o PIB do Brasil, oitava potência econômica mundial. O poder hoje se deslocou radicalmente”(cf. Governança corporative op.cit)

Além da literatura específica, Dowbor se remete aos dados de duas grandes instituições que se debruçam sistematicamente sobre os mecanismos dos gigantes corporativos: o Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (que rivaliza com o famoso MIT dos USA) e o banco Credit Suisse, exatamente aquele que administra as grandes fortunas mundiais e que, portanto, sabe das coisas.
 
Os dados aí arrolados por estas fontes são espantosos: 1% mais rico controla mais da metade da riqueza mundial. 62 famílias têm um patrimônio igual à metade mais pobre da população da Terra. 16 grupos controlam quase a totalidade do comércio de commodities (grãos, minerais, energia, solos, água). Pelo fato de os alimentos todos obedecerem às leis do mercado, seus preços sobem e descem à mercê da especulação, tolhendo a vastas populações pobres o direito de terem acesso à alimentação suficiente e saudável.
 
Os 29 gigantes planetários, 75% são bancos a começar pelo Bank of America e terminando com o Deutsche Bank, são tidos como  “sistemicamente importantes”, pois sua eventual falência (não esqueçamos o maior deles, o norteamericano Lehamn Brothers que faliu) levaria todo o sistema ao abismo ou próximo a ele, com consequências funestas para a inteira humanidade. O mais grave é que não existe nenhuma regulação para o seu funcionamento, nem pode haver, por enquanto as regulações são sempre nacionais e eles atual planetariamente. Não existe ainda uma governança mundial que cuide não só das finanças mas do destino social e ecológico da vida e do próprio sistema-Terra.
 
Nossos conceitos se evaporam quando, nos recorda Dowbor, se lê na capa do Economist que o faturamento da empresa Black Rock é de 14 trilhões de dólares sendo que o PIB dos USA é de 15 trilhões e do pobre Brasil mal alcança 1,6 trilhões de dólares. Estes gigantes planetários manejam cerca de 50 trilhões de dólares, o equivalente à totalidade da dívida pública do planeta.
 
O importante é conhecer o seu propósito e sua lógica: visam simplesmente o lucro ilimitado Uma empresa de alimentos compra uma mineradora sem qualquer expertise no ramo,  apenas porque dá lucro. Não há nenhum sentido humanitário como, por exemplo, tirar uma pequeníssima parcela dos lucros para um fundo contra a fome ou a diminuição da mortalidade infantil. Para eles, isso é tarefa do Estado e não para os acionistas que só querem lucros e mais lucros.
 
Por estas razões entendemos  iracúndia sagrada do Papa Francisco contra um sistema que apenas quer a acumulação à custa da pobreza das grandes maiorias e da degradação da natureza.Uma economia, diz ele “que tem como centro o deus dinheiro e não a pessoa: eis o terrorismo fundamental contra toda a humanidade” (no avião regressando da Polônia em setembro). Chama-o em sua encíclica ecológica  de um sistema anti-vida e com tendência suicida (n.55).
 
Esse sistema é homicida, biocida, ecocida e geocida. Como pode tanta desumanidade prosperar sobre a face da Terra e ainda dizer: There is no Alternative”(TINA)? A vida é sagrada. E quando sistematicamente agredida, chega o dia em que ela se vingará, destruindo aquele que a quer destruir. Esse sistema está buscando o seu próprio fim  trágico. Oxalá a espécie humana sobreviva.

Fonte: http://cartamaior.com.br

Zaqueu: a visita de Deus Acolhimento e ternura sem preconceito (Lucas 19,1-10) [Frei Carlos Mesters e Mercedes Lopes]




Situando

Estamos chegando ao fim da longa viagem que começou no capítulo 9. Durante a viagem, não se sabia bem por onde Jesus andava. Só se sabia que ele ia em direção a Jerusalém. Agora, no fim, a geografia fica clara e definida. Jesus chega a Jericó, a cidade das palmeiras, no vale do Jordão. Última parada antes de o peregrino chegar em Jerusalém! Foi em Jericó que terminou a longa caminhada do êxodo de 40 anos pelo deserto. O êxodo de Jesus também está terminando.

Na entrada de Jericó, Jesus encontra um cego que queria ver (Lc 18,35-43). Agora, atravessando a cidade, ele encontra Zaqueu, um publicano, que queria vê-lo. Um cego e um publicano. Os dois eram excluídos. Os dois incomodavam o povo: o cego com seus gritos, o publicano com seus impostos. Os dois são acolhidos por Jesus, cada um a seu modo.

Comentando

1.    Lucas 19,1-2: A situação

Jesus entra em Jericó e atravessa a cidade. “Havia ali um homem, chamado Zaqueu, muito rico, chefe dos publicanos”. Publicano era o que cobrava o imposto público sobre a circulação da mercadoria. Zaqueu era o chefe dos publicanos da cidade. Sujeito rico e muito ligado ao sistema de dominação dos romanos. Os judeus mais religiosos argumentavam assim: “O rei do nosso povo é Deus. Por isso, a dominação romana sobre nós é contra Deus. Quem colabora com os romanos peca contra Deus!” Assim, soldados que serviam no exército romano e cobradores de impostos, como Zaqueu, eram excluídos e evitados como peca- dores e impuros.

2.    Lucas 19,3-4: Atitude de Zaqueu

Zaqueu quer ver Jesus. Sendo pequeno, corre na frente, sobe numa árvore e aguarda Jesus passar. É muita vontade de ver Jesus! Anteriormente, na parábola do pobre Lázaro e do rico sem nome, Jesus fez ver como é difícil um rico se converter. Aqui aparece o caso de um rico que não se fecha na sua riqueza. Zaqueu quer algo mais. Quando um adulto, pessoa de destaque na cidade, trepa numa árvore, é porque já nem liga para a opinião dos outros. Algo mais importante o move por dentro. Ele está querendo abrir a porta para o pobre Lázaro.

3.    Lucas 19,5-7: Atitude de Jesus, reação do povo e de Zaqueu

Chegando perto, Jesus não pergunta nem exige nada. Apenas responde ao desejo do homem e diz: “Zaqueu, desça depressa! Hoje devo ficar em sua casa!” Zaqueu desceu e recebeu Jesus em sua casa, com muita alegria. Todos murmuravam: “Foi hospedar-se na casa de um pecador!” Lucas salienta que todos murmuravam! Isto significa que Jesus estava ficando sozinho na sua atitude de dar acolhida aos excluídos, sobretudo aos colaboradores do sistema. Mas Jesus não se importa com as críticas. Ele vai à casa de Zaqueu e o defende contra as críticas. Em vez de pecador, o chama de “filho de Abraão” (Lc 19,9).
 
4.    Lucas 19,8: Decisão de Zaqueu

“Dou a metade dos meus bens aos pobres e restituo quatro vezes o que roubei!” Esta é a conversão, produzida em Zaqueu pela acolhida que Jesus lhe deu. Restituir quatro vezes era o que a lei mandava em alguns casos (Ex 21,37; 22,3). Dar a metade dos bens aos pobres é a novidade que o contato com Jesus nele produziu. Era a partilha acontecendo de fato!

5.    Lucas 19,9-10: Palavra final de Jesus

“Hoje, a salvação entrou nesta casa, porque ele também é um filho de Abraão!” A interpretação da Lei pela Tradição antiga excluía os publicanos da raça de Abraão. Jesus diz que veio procurar e salvar o que estava perdido. O Reino é para todos. Ninguém pode ser excluído. A opção de Jesus é clara, seu apelo também: não é possível ser amigo de Jesus e continuar apoiando um sistema que marginaliza e exclui tanta gente. Denunciando as divisões injustas, Jesus abre o espaço para uma nova convivência, regida pelos novos valores da verdade, da justiça e do amor.

Alargando

1. Filho de Abraão. Através da descendência de Abraão, todas as nações da terra serão benditas (Gn 22,18; 12,3). Para as comunidades de Lucas, formadas por cristãos de origem judaica e também de origem pagã, esta afirmação de Jesus era muito importante. Nela encontravam a confirmação de que, em Jesus, Deus estava cumprindo as promessas feitas a Abraão e que se dirigiam tanto aos judeus como aos gentios. Estes são também filhos de Abraão e herdeiros das promessas.

2. Jesus acolhe os que não eram acolhidos. Oferece lugar aos que não tinham lugar. Recebe como irmão e irmã as pessoas que a religião e o governo excluíam e rotulavam como:

• imorais: prostitutas e pecadores (Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc 7,37-50; Jo 8,2-11);
• hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo 4,7-42);
• impuras: leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 17,12-14; Mc 1,25-26);
• marginalizadas: mulheres, crianças e doentes (Mc 1,32; Mt 8,16; 19,13-15; Lc 8,2-3);
• pelegos: publicanos e soldados (Lc 18,9-14; 19,1-10);
• pobres: o povo da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20; Mt 11,25-26).

3. Jesus não só acolhe as vítimas da exclusão mas, também, ataca as causas. Com palavras e gestos ele ignora ou denuncia as divisões existentes entre:

• Próximo e não-próximo.
Para Jesus, próximo é todo aquele de quem a gente se aproxima (Lc 10,29-37).
• Judeu e estrangeiro.
Jesus atende ao pedido do centurião (Lc 7,6-10) e da cananeia (Mt 15,21-28).
• Santo e pecador.
Jesus acolhe Zaqueu (Lc 19,1-10) e se confraterniza com os pecadores (Mc 2,15-17).
• Puro e impuro.
Jesus critica as muitas leis e declara puros todos os alimentos (Mc 7,1-23).
• Obras santas e profanas.
Jesus ensina um novo jeito de fazer esmola, oração e jejum (Mt 6,1-18).
• Tempo sagrado e profano.
Jesus coloca o sábado a serviço do ser humano (Mc 2,27; Jo 7,23).
• Lugar sagrado e profano.
Jesus critica o Templo e adora a Deus em qualquer lugar (Jo 4,21; 2,19).
• Rico e pobre.
Jesus critica os ricos e ensina que não é possível servir a dois senhores (Lc 16,13).

*Este subsídio foi retirado do livro O avesso é o lado certo. Conheça  publicação do CEBI!

Foi buscar lã e saiu tosquiado [Luiz Carlos Ramos]



    Lucas 19.1-10

    Tendo entrado em Jericó, Jesus ia atravessando a cidade. Ora, morava ali um homem rico, chamado Zaqueu. Ele queria muito ver quem era esse tal Jesus, mas não podia, por causa da multidão, e por que, embora fosse o maioral dos cobradores de impostos do lugar, era de pequena estatura.

    Então teve uma ideia: correu adiante da multidão, até onde havia algumas árvores, e subiu numa figueira brava, certo de que assim poderia ver Jesus, quando por ali passasse.

    Quando chegou àquele ponto do caminho, Jesus olhou para cima, viu Zaqueu e lhe disse: “Zaqueu, desça depressa, pois hoje pretendo ficar na sua casa.” Zaqueu desceu depressa e o hospedou na sua casa com muita alegria.

    Só que os moradores do lugar, ao verem isso, começaram logo a resmungar: “Veja se isso tem cabimento. Este homem foi se hospedar justo na casa do maior pecador da paróquia!”

    Zaqueu, então, se levantou e disse ao Senhor: “Senhor, pensei bem e tomei uma importante decisão: eu vou dar a metade dos meus bens aos pobres. E, já que tenho roubado tanta gente, a partir de hoje vou restituir-lhes quatro vezes mais o montante defraudado.”

    Nesse momento Jesus exclamou: “Hoje a salvação entrou nesta casa, pois também este é filho de Abraão. Para isso mesmo veio o Filho do Homem: para buscar e salvar quem está perdido.”

* * *

Zaqueu queria ver Jesus e acabou sendo visto por ele.

Zaqueu era rico, tinha bens, mas não tinha quem lhe quisesse bem.

Zaqueu era o maioral dos publicanos, mas o menorzinho da multidão.

Zaqueu, perdido no meio do povaréu, procurava por Jesus para saudá-lo, sem saber que o filho do homem é que estava a procura do perdido para salvá-lo.

Zaqueu subiu depressa na árvore para ver Jesus, mas desceu mais depressa ainda para receber o Mestre na sua casa.

Zaqueu se humilhou ao subir, e foi exaltado quando desceu.

Zaqueu estava experimentando seu primeiro dia de felicidade, quando foi infernizado pelo resmungo dos vizinhos.

Zaqueu, que tirava dinheiro dos pobres, decidiu então dar a eles metade dos seus bens.

Zaqueu roubou muitas pessoas, mas no fim acabou restituindo quatro vezes mais a cada um a quem tinha defraudado.

Zaqueu era acusado de pecador pelos vizinhos, mas foi chamado de filho de Abraão por Jesus.

Zaqueu hospedou Jesus em sua casa sem saber que hospedava a sua própria salvação.

Enfim, como diria o velho ditado: Zaqueu foi buscar lã e saiu tosquiado. Mas pensam que ele achou ruim? Ao contrário, descobriu que isso foi, de fato, a melhor coisa que lhe poderia ter acontecido.

Descobriu, afinal, que aquela lã toda, que lhe pesava nas costas, só lhe causava terríveis dores, e o afastava de tudo o que era mais importante: das pessoas e de Deus.

Aconteceu com Zaqueu o mesmo que com o publicano arrependido, aquele da parábola de Jesus que era hostilizado por certo fariseu: Encontrou salvação para si e para sua casa.

*Por Rev. Luiz Carlos Ramos†, Para o Vigésimo Quarto Domingo da Peregrinação após Pentecostes | Ano C, 2016

Fonte: http://www.luizcarlosramos.net

Para encontrar e anunciar Jesus, precisamos descer e sair! [Itacir Brassiani msf]


<br>Fonte: Cartaz do II Congresso Continental de Teologia
 O episódio apresentado no evangelho deste domingo é sobejamente conhecido. Mas, para entendê-lo em toda a sua força e novidade, precisamos considerar o contexto no qual se desenvolve a cena. Uma rápida olhada no contexto literário nos mostra que o episódio acontece depois que Jesus acolhe e abençoa crianças (cf. Lc 18,15-17), após o frustrado encontro do jovem rico e a metáfora do camelo e do buraco da agulha (cf. Lc 18,15-34), e em seguida à acolhida e cura do cego de Jericó (cf. Lc 18,35-43). E estamos na última etapa da subida de Jesus para Jerusalém.

O contexto mais amplo revela o desconcerto e a resistência dos discípulos frente à pregação e à prática revolucionárias de Jesus: eles tentam impedir que as crianças se aproximem dele; se escandalizam com a afirmação de que aos ricos é difícil entrar na lógica do Reino de Deus; cobram a conta por terem deixado tudo para seguir Jesus; não conseguem compreender nem aceitar que seu caminho passe pela humilhação; querem calar a boca do cego e mendigo que suplica compaixão. Ou seja: não conseguem assimilar as lições mais elementares da compaixão e da misericórdia!

Quem é propriamente este personagem tão conhecido a quem o evangelista chama Zaqueu? Traduzido literalmente, seu nome significa puro ou inocente! E isso é surpreendente, já que, por ser cobrador de impostos e negociar com os romanos – considerados invasores e pagãos – Zaqueu era visto como impuro, mercenário e traidor nacional. Por isso, apesar dos muitos bens que possuía, e apesar da posição de chefia que ocupava entre os publicanos, Zaqueu era socialmente renegado e religiosamente excluído. Sua baixa estatura sinaliza mais o rebaixamento social que uma característica física!

Não obstante isso, enquanto os discípulos não conseguem reconhecer a verdadeira identidade de Jesus, Zaqueu busca insistentemente descobrir quem é Jesus. O evangelista diz que ele não desejava apenas ‘ver Jesus’, mas queria ‘ver quem era Jesus’. Movido por este desejo que dava sentido à sua vida, Zaqueu acaba fazendo aquilo que aprendera dos mesmos líderes religiosos que o desprezavam. Subir na arvore a na vida era o modo aceito como usual para alcançar a salvação: buscar palcos e pedestais, subir na hierarquia, aferrar-se às instituições judaicas, confiar nas práticas minuciosas da lei.

A árvore na qual Zaqueu sobe é símbolo e imagem do próprio judaísmo que o renega! Mas o encontro de Zaqueu com Jesus se dá de uma forma que ele não esperava. Apesar de ter subido na árvore, não é Zaqueu que vê Jesus, mas Jesus que vê Zaqueu e pede que desça imediatamente daquele lugar que nada acrescenta à sua vida. “Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa.” As palavras são claras e imperativas: ele deve descer, e fazê-lo depressa, porque exatamente neste dia Jesus deve permanecer na casa dele. O lugar do verdadeiro encontro de Zaqueu com a salvação não é o templo: é a rua e a casa!

Zaqueu dá-se conta do absurdo da sua estratégia de subir para saber quem é Jesus e, motivado pelo anúncio de que Jesus deveria ir naquele instante à sua casa, desce depressa e recebe Jesus em sua casa, com muita alegria. A salvação tem seu tempo e seu espaço, mas estes nem sempre coincidem com aqueles que são estabelecidos pelas religiões. Como os primeiros cristãos descobriram e anunciaram – diante do olhar escandalizado de todas as religiões –, a morada de Deus no mundo é a comunidade de irmãos e irmãs que, embasada no amor, se reúne para fazer celebrar a fé e partilhar o pão.

O encontro seguido da visita de Jesus à casa Zaqueu faz com que ele se torne mais autêntico e generoso que os fariseus mais perfeitos. João Batista havia determinado simplesmente que os publicanos não cobrassem mais do que fora estabelecido (cf. Lc 3,12-13), mas Zaqueu se propõe a devolver quatro vezes o que subtraiu aos outros, cumprindo ao pé da letra o que pedia a Lei (cf. Ex 21,37). Enquanto os fariseus pagam apenas o dízimo, Zaqueu dá a metade dos bens aos pobres! A experiência de ser visto e reconhecido por Jesus possibilita que Zaqueu revele a generosidade e a justiça que não eram vistas por ninguém e a grandeza humana que se escondia na sua pequena estatura.

Jesus de Nazaré, incansável peregrino nos santuários das dores humanas, adorável hóspede que resgata nossa dignidade e suscita uma inaudita generosidade. Faz da tua e nossa Comunidade uma família de gente nova, um povo-semente de uma vida que mereça este nome. Arranca do nosso meio a ilusão de que precisamos subir para te encontrar. Liberta-nos da acomodação e faz de nós pessoas e igrejas em descida e saída para encontrar e abraçar a humanidade. E ensina-nos a te encontrar no burburinho das ruas, nas casas que apesar de tudo se mantêm abertas e em toda carne que clama por ti. Assim seja! Amém!

*Por Itacir Brassiani msf, (Livro da Sabedoria 11,22-12,2 * Salmo 144 (145) * 2ª Carta a os Tessalonicenses  1,11-2,2 * Lucas  19,1-10)

Fonte: http://itacir-brassiani.blogspot.com.br

Nota da CNBB sobre a PEC 241



"Não fazer os pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida.”
 (São João Crisóstomo, século IV)
 
O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, dos dias 25 a 27 de outubro de 2016, manifesta sua posição a respeito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, de autoria do Poder Executivo que, após ter sido aprovada na Câmara Federal, segue para tramitação no Senado Federal.

Apresentada como fórmula para alcançar o equilíbrio dos gastos públicos, a PEC 241 limita, a partir de 2017, as despesas primárias do Estado – educação, saúde, infraestrutura, segurança, funcionalismo e outros – criando um teto para essas mesmas despesas, a ser aplicado nos próximos vinte anos. Significa, na prática, que nenhum aumento real de investimento nas áreas primárias poderá ser feito durante duas décadas. No entanto, ela não menciona nenhum teto para despesas financeiras, como, por exemplo, o pagamento dos juros da dívida pública. Por que esse tratamento diferenciado?

A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública.

A PEC 241 supervaloriza o mercado em detrimento do Estado. “O dinheiro deve servir e não governar!” (Evangelii Gaudium, 58). Diante do risco de uma idolatria do mercado, a Doutrina Social da Igreja ressalta o limite e a incapacidade do mesmo em satisfazer as necessidades humanas que, por sua natureza, não são e não podem ser simples mercadorias (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 349).

A PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional. A partir de 2018, o montante assegurado para estas áreas terá um novo critério de correção que será a inflação e não mais a receita corrente líquida, como prescreve a Constituição Federal.

É possível reverter o caminho de aprovação dessa PEC, que precisa ser debatida de forma ampla e democrática. A mobilização popular e a sociedade civil organizada são fundamentais para superação da crise econômica e política. Pesa, neste momento, sobre o Senado Federal, a responsabilidade de dialogar amplamente com a sociedade a respeito das consequências da PEC 241.

A CNBB continuará acompanhando esse processo, colocando-se à disposição para a busca de uma solução que garanta o direito de todos e não onere os mais pobres.
Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, continue intercedendo pelo povo brasileiro. Deus nos abençoe!

Dom Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB

Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB

A força do desejo [Maria Cristina Giani]




“Que força que tem esse desejo! E que bom que esse homem se deixou levar por ele a ponto de ter a coragem de deixar sua imagem de chefe aos pés da árvore para buscar sua verdade no alto”.

O comentário do Evangelho que corresponde ao Domingo 31° do Tempo Comum (30-10-2016) é elaborado por Maria Cristina Giani, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Evangelho de Lucas 19,1-10


Jesus tinha entrado em Jericó, e estava atravessando a cidade. Havia aí um homem chamado Zaqueu: era chefe dos cobradores de impostos, e muito rico. Zaqueu desejava ver quem era Jesus, mas não o conseguia, por causa da multidão, pois ele era muito baixo. Então correu na frente, e subiu numa figueira para ver, pois Jesus devia passar por aí.

Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima, e disse: «Desça depressa, Zaqueu, porque hoje preciso ficar em sua casa.»

Ele desceu rapidamente, e recebeu Jesus com alegria.

Vendo isso, todos começaram a criticar, dizendo: «Ele foi se hospedar na casa de um pecador!» Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: «A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais.» Jesus lhe disse: «Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. De fato, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.»

Eis o comentário.

O texto do evangelho nos apresenta novamente um cobrador de impostos, desta vez um chefe dos cobradores de impostos, do qual sabemos seu nome: Zaqueu, sua condição econômica: muito rico, e sua estatura: muito baixo.

E a narração nos dá outro dado fundamental de Zaqueu, que o faz diferente talvez de outros chefes: desejava ver Jesus!

Com estas características, tentemos nos imaginar a pessoa de Zaqueu no meio de uma multidão que vai se aglomerando porque escutou que Jesus ia passar por ali, e Ele já tinha fama entre os habitantes da cidade de Jericó.

Chama a atenção a atitude de Zaqueu que, sentindo o limite de sua baixa estatura, e nesse limite podemos colocar as outras picuinhas e mesquinharias, não fica preso a ele senão que segue seu desejo de querer ver Jesus e corre na frente e sobe na figueira para vê-lo.

Que força que tem esse desejo! E que bom que esse homem se deixou levar por ele a ponto de ter a coragem de deixar sua imagem de chefe aos pés da árvore para buscar sua verdade no alto.

Paremos para nos perguntar: quais são nossos desejos? Aonde eles nos conduzem? O que fazemos com eles?

Deus trabalha através dos desejos, suscitando atrações, movendo nosso coração, impulsionando nossa liberdade. Os desejos autênticos são, antes de tudo, graça, dons do Espírito. Tais desejos sempre são autotranscendentes, isto é, nos conduzem para fora de nós mesmos; nos impulsionam à busca, ao serviço, ao compromisso.

Agora, o surpreendente é o que Jesus faz e diz ao passar por baixo da figueira: “olhou para cima, e disse: Desça depressa, Zaqueu, porque hoje preciso ficar em sua casa”.

Este gesto, acompanhado pelas palavras de Jesus, nos revela uma vez mais que é Deus quem toma a iniciativa, que nos precede no amor, no desejo de se encontrar com cada um/a!

Grande deve ter sido o susto de Zaqueu ao se sentir descoberto por Jesus, mas o susto dá lugar à alegria ao experimentar a ternura do olhar do Mestre e acolher seu convite sem demora!

Receber Jesus na sua própria casa é muito mais do que o chefe dos cobradores de impostos poderia imaginar! Deus age assim, sua ação sempre supera o que somos capazes de desejar e até pedir.

A presença de Jesus na vida de Zaqueu fez que ele mudasse, se convertesse, por isso o evangelho narra que de pé, em pleno uso de sua liberdade, disse: «A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais».

É o encontro com olhar amoroso de Jesus o que possibilita e capacita para que mudemos de vida, para viver dia a dia convertendo-nos ao evangelho.

O “hoje” de Zaqueu se estende até nós. “Hoje” Jesus nos olha amorosamente batendo à porta de nossa casa; se o acolhemos “hoje” nos faz partícipes de sua vida e salvação (cfr.Ap 3,21).

Despojamento

Eliminei o excesso de paisagem
simplifiquei toda a decoração
retirei quadro flores ornamentos
apaguei velas copos guardanapos
e a música

Bani a inutilidade do discurso

Na mesa de madeira
nua
apenas dois pratos
brancos
sem talheres

O banquete será tua presença

Ivo Barroso

Deus ama os pecadores [Marcel Domergue]



Quem faz parte do Reino de Deus? A Liturgia nos propõe esta questão desde o 28º Domingo. A caminho do Reino estão todos os que dão graças (28º), os que rezam sem se desencorajar (29º), os que têm um coração de pobre (30º), os que querem ser convertidos (este Domingo).

A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 31º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C (30 de outubro de 2016). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

Eis o texto.

Referências bíblicas

1ª leitura: “A todos Tu tratas com bondade”, porque “amas tudo o que existe” (Sabedoria 11,22-12,2)

Salmo: Sl 144(145) - R/ Bendirei eternamente vosso nome; para sempre, ó Senhor, o louvarei!

2ª leitura: “O nome de Nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós nele” (2 Tessalonicenses 1,11-2,2)

Evangelho: “O Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lucas 19,1-10)

O encontro de Zaqueu com Jesus

A caminho de Jerusalém, Jesus entrou em Jericó e ia atravessar a cidade. Mas não chegou ao final da travessia: o encontro com Zaqueu irá levá-lo a mudar de programa. Os dois Testamentos nos falam seguidamente deste Deus que, longe de ser imutável, modifica as suas intenções em função do que encontra no homem.

Não chegou Ele, em Jesus Cristo, até mesmo a renunciar à sua "forma de Deus", como diz Filipenses 2,6? Temos então, aqui, o encontro de Jesus com este homem ilustre; um chefe, muito rico, a serviço dos invasores. À primeira vista, este homem tem de tudo. E, no entanto, algo lhe falta: dispõe de tudo com fartura, mas, mesmo assim, "procura ver quem era Jesus".

Já ouvira, com certeza, falar dele, tendo compreendido haver algo mais importante do que a riqueza, a autoridade e a situação social. Em resumo, permaneceu como um homem de desejo. Desejo, a princípio, impossível de ser satisfeito, pois ele não está à altura: o seu tamanho pequeno não é um fato apenas físico nem a multidão um obstáculo somente material para o seu encontro com Cristo, conforme mostra o versículo 7.

Todos os obstáculos vão ser vencidos. O fato de Zaqueu ter corrido à frente e subido numa figueira exprime e representa a sua fé e a sua esperança. Queria somente "ver quem era Jesus", e eis que agora Jesus olha para ele e o chama pelo nome. Zaqueu teve de descer e voltar à sua pequena estatura. Quanto a Jesus: “devo ficar na tua casa” foi o que disse. "Hoje, eu devo ficar" na casa deste chefe dos publicanos.

A morada de Deus

Este "deve" não exprime uma espécie de necessidade moral, mas uma exigência de amor. Há certa ternura no modo pelo qual este encontro é contado. Zaqueu não se contentou com extasiar-se diante dos sinais que ouviu contar; quis conhecer Jesus. A pessoa do Cristo é que lhe interessa; um pouco como o décimo leproso de Lucas 17.

João insiste muitas vezes na passagem da visão das obras à fé na pessoa. No fim do relato, Jesus dirá que a salvação chegou para "esta casa" porque Zaqueu também é um filho de Abraão. Não se trata evidentemente da filiação em sentido genético. Paulo irá repetir que Abraão é nosso pai na fé: é o pai dos crentes. E porque acreditou, até a ponto de subir nas árvores, Zaqueu ouviu Jesus dizer-lhe que, hoje, vai ficar em sua casa.

O tema da morada de Deus, do lugar da residência divina, é onipresente na Bíblia. O novo templo será o Corpo do Cristo, este Corpo da ressurreição que preencherá todo o universo (ver João 2,20-22). Em Mateus 18,20, ficamos sabendo que esta morada divina encontra-se ali "onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome". No nome do Cristo, quer dizer, na fé.

A morada de Zaqueu, morada humana, torna-se morada divina. Devemos notar que poderíamos ter esperado que Jesus pedisse a Zaqueu para apenas encontrar-se com ele. Mas, não! Jesus é quem se desloca para ir encontrar-se com Zaqueu, e com todo homem, ali mesmo onde a sua vida se desenvolve.

A gratuidade do amor de Deus
Muitas traduções colocam no futuro a defesa de Zaqueu: "Darei aos pobres a metade dos meus bens". Temos aí uma interpretação, porque o texto grego está no presente. Imagina-se um cenário de conversão: tendo encontrado Jesus, o publicano vai mudar a sua relação com o dinheiro e com os outros.

Prefiro ver as coisas de outro modo: as testemunhas da cena qualificam Zaqueu como pecador. O que era normal, pois era um publicano. Zaqueu, "de pé", contesta este julgamento: dirigindo-se a Jesus, descreve o seu comportamento habitual. Decididamente, como se disse, tem tudo: riqueza, posição social e, agora, generosidade. Mas nada disto terá o valor do seu encontro de amor com Jesus, nem mesmo sua generosidade. Jesus dá a "salvação" a este homem por ele ser herdeiro da fé de Abraão.

Com efeito, o Filho do homem não veio chamar os justos, mas os pecadores, conforme está dito a propósito do chamado de Mateus, este outro publicano (Mateus 9,9-12). A origem da nossa relação de amor com Este que é a nossa origem não é o nosso comportamento "virtuoso", mas o amor que Deus tem para conosco. 

As nossas "boas ações" não são a causa disto, mas a sua consequência. No princípio, Zaqueu, assim como qualquer homem ou mulher, encontrava-se "perdido". Porém, mesmo sem saber, já estava habitado por Este que veio "procurar e salvar o que estava perdido".

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

Podemos mudar? [José Antonio Pagola]




 Lucas narra o episódio de Zaqueu para que os seus leitores descubram melhor o que podem esperar de Jesus: o Senhor que invocam e seguem nas comunidades cristãs «veio procurar e salvar o que estava perdido». Não o irão de esquecer.

Ao mesmo tempo, com seu relato da atuação de Zaqueu ajuda a responder à pergunta que não poucos levam no seu interior: Realmente posso mudar? Não é já demasiado tarde para refazer uma vida que, em boa parte, deixei perder? Que passos posso dar?

Zaqueu é descrito com dois traços que definem com precisão a sua vida. É «chefe de publicanos» e é «rico». Em Jericó todos sabem que é um pecador. Um homem que não serve a Deus mas sim ao dinheiro. A sua vida, como tantas outras, é pouco humana.
No entanto, Zaqueu «procura ver Jesus». Não é mera curiosidade. Quer saber quem é, que se encerra neste Profeta que tanto atrai as pessoas. Não é tarefa fácil para um homem instalado no seu mundo. Mas este desejo de Jesus vai mudar a sua vida.

Para ver Jesus, Zaqueu terá que superar diferentes obstáculos. É «baixo de estatura», sobre tudo porque a sua vida não está motivada por ideais muito nobres. Outro impedimento são as pessoas: terá que superar preconceitos sociais que lhe tornam difícil o encontro pessoal e responsável com Jesus.

Mas Zaqueu prossegue a sua procura com simplicidade e sinceridade. Corre para se adiantar à multidão, e sobe a uma árvore como uma criança. Não pensa na sua dignidade de homem importante. Só quer encontrar o momento e o lugar adequado para entrar em contato com Jesus. Quer vê-Lo.

É então quando descobre que também Jesus o está a procurar, pois chega até àquele lugar, procura-o com o olhar e diz: «O encontro será hoje mesmo na tua casa de pecador». Zaqueu desce e recebe-o em sua casa, cheio de alegria. Há momentos decisivos em que Jesus passa pela nossa vida porque quer salvar o que nós estamos arriscando perder. Não os devemos deixar escapar a ocasião.

Lucas não descreve o encontro. Só fala da transformação de Zaqueu. Muda a forma de ver a vida: já não pensa só no seu dinheiro, mas no sofrimento dos outros. Muda o seu estilo de vida: fará justiça aos que explorou e partilhará os seus bens com os pobres.

Mais tarde ou mais cedo, todos corremos o risco de nos «instalarmos» na vida, renunciando a qualquer aspiração de viver com mais qualidade humana. Os crentes temos de saber que um encontro mais autêntico com Jesus pode fazer a nossa vida mais humana e, sobretudo, mais solidária.

*Texto de José Antonio Pagola, Tradutor: Antonio Manuel Álvarez Perez

Fonte: http://www.gruposdejesus.com/31-tempo-ordinario-c-lucas-191-10-2/

domingo, 16 de outubro de 2016

PJ lança texto da base Ampliada Nacional da Pastoral da Juventude 2017



“Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galiléia. Lá eles me verão” (Mt 25, 10)

Frei Betto diz que a humanidade, hoje, tem fome de pão e de beleza. Podemos dizer que é a mesma fome que tem a juventude, em um recorte etário muito especial. Acrescida a essa fome, existe em nosso meio a fome e a sede por novidade. Pão, beleza e novidade!

O convite feito nesse processo da Ampliada Nacional da Pastoral da Juventude é ir à Galiléia nos encontrar com o Mestre Moreno Ressuscitado. Ao propor “romper barreiras”, indicamos um primeiro passo rumo ao novo, nos propondo a fazer esse caminho para a Galiléia.

E onde ficam as Galileias de hoje? Quais os caminhos que precisamos percorrer para chegar até elas? Como vamos? Com quem vamos? Quem encontraremos lá? Estamos tão distantes das Galileias? Por quê? Quais as barreiras que queremos e precisamos romper?

O Texto Base da ANPJ tem a intencionalidade de nos aproximar de algumas “Galileias”, colocando a PJ do Brasil em sintonia com esse caminho. Por isso, se faz necessária uma grande mobilização desse processo de reflexão sobre essas Galileias, que devem ser reconhecidas nas realidades mais locais, próximas dos grupos e espaços de encontros da Pastoral da Juventude. Para nos ajudar nesse olhar às Galiléias, convidamos companheiras e companheiros para nos escreverem, a partir de seus espaços de trabalho e militância. O material está riquíssimo!

Apostamos em dois pressupostos para esse caminho: o primeiro é a convicção de que a Pastoral da Juventude está em cada jovem que se coloca a serviço da sua missão, não desassociando o processo pastoral com o pessoal. O segundo pressuposto é a compreensão de que um caminhar da PJ Nacional só se concretiza se ele for realizado nos espaços reais da vida, nas Galileias concretas, que só podem ser olhadas e evidenciadas a partir dos próprios grupos de jovens das nossas comunidades.

Acesse, leia, divulgue: https://goo.gl/wKAQzs

Muitos são os agraciados, mas poucos, os agradecidos [ Rev. Luiz Carlos Ramos]



Jesus seguia viagem para Jerusalém. O caminho que escolheu o obrigou a passar por entre as regiões da Samaria e da Galileia. Quando estava entrando num povoado, vieram ao seu encontro dez leprosos. Eles pararam a certa distância, como a lei exigia, mas de longe gritavam: — Jesus, Mestre, tenha misericórdia de nós!

    Ao vê-los, Jesus lhes disse: — Vão e apresentem-se aos sacerdotes para que eles examinem vocês e vejam que estão purificados.

    Quando iam pelo caminho, se deram conta de que estavam de fato curados. Aconteceu que um deles, que era samaritano, quando viu que estava curado, voltou louvando a Deus em voz alta. Ajoelhou-se aos pés de Jesus e lhe dava muitas graças.

    Jesus disse: — Não eram dez, os que estavam contigo e foram curados? Onde estão os outros nove? Por que somente este estrangeiro voltou para glorificar a Deus?

    Então Jesus disse ao homem agradecido: — Levante-se e siga o seu caminho. Você foi salvo por sua fé. (Lucas 17.11-19)

* * *

Reverendo Peter Gilhuis, que é holandês, trabalhou muitos anos como missionário no Brasil. Ouvi dele um relato que me marcou e do qual nunca me esqueci.

Como se sabe, a Holanda tem grande parte do seu território abaixo do nível do mar (cerca de 27% de sua área e 60% de sua população). Isso só é possível graças aos diques e barragens que foram edificados ao longo dos séculos para conter a água do mar, e garantir as condições de vida em seu território, literalmente, conquistado ao mar.

A viúva que enfrenta o juiz: Impaciência e persistência como modelo de fé e oração (Lucas 18,1-8) [Odja Barros]



A parábola da viúva persistente de Lucas 18,1-8 é material exclusivo do Evangelho de Lucas. Não se encontra nos outros Evangelhos e tem por tema principal a persistência na oração aqui entendida e vinculada à ação. A mulher viúva é tomada como exemplo da oração que agrada a Deus. Sua ação incansável e obstinada em busca da justiça e do direito é o exemplo maior de fé e oração esperada por Deus.
 
Essa parábola na maioria das vezes é superficialmente interpretada limitando a força da parábola apenas à persistência na oração. Ignora-se que, para além da persistência na oração, a parábola traz uma mensagem forte de luta incessante, persistente e impaciente pela justiça. Luta que uma pobre viúva enfrenta diante de um insensível juiz. Ela o enfrenta com uma atitude obstinada e até agressiva em busca de justiça.
 
O que nos conta a Parábola?

A parábola apresenta certa cidade onde havia um juiz que não temia a Deus e não se importava com as pessoas. Na mesma cidade, havia também uma viúva que se dirigia continuamente a ele dizendo: "Faz-me justiça contra meu adversário!" (18,2-3).  O juiz está bem descrito: Ele é um juiz que não teme a Deus e nem se importa com as pessoas. E sobre a viúva? O que é dito? Não é apresentada qualquer informação sobre ela, não se sabe sequer qual era a causa que aflige o direito dessa mulher.
 
Sabe-se apenas que ela está sendo prejudicada nos seus direitos por causa de alguém denominado de "adversário" e que por isso procura o juiz a quem se dirige de forma contínua e persistente, travando uma luta obstinada e incansável pela justiça.
 
"Faça-me justiça contra meu adversário"

Será que o Filho do Homem vai encontrar a fé sobre a terra? (Lc 18,1-8) [Tomaz Hughes]





Embora possa parecer que o tema deste trecho seja simplesmente a oração, na realidade Lucas o liga ao trecho anterior (17, 22-37), que versava sobre a segunda vinda de Filho do Homem, através da referência em v. 8: “Mas, o Filho do Homem, quando vier, será que vai encontrar a fé sobre a terra?” Então devemos entender o sentido original do texto em referência à situação das comunidades do fim do primeiro século - Jesus tardava a retornar, as perseguições estavam no horizonte, as comunidades estavam sofrendo vários tipos de pressão, e a fé delas começava a vacilar. Por isso Lucas quer dar-lhes um ensinamento claro - Deus não vai abandoná-las, então, devem ficar firmes, constantes na oração até que Ele venha.

O tema da oração cristã já foi tratado no capítulo 11 de Lucas. Aqui volta à tona. O versículo 8 mostra que não se refere à simples oração permanente, mas à uma atitude de oração baseada na fé, até que Jesus volte.

Jesus tira uma mensagem de uma situação que devia ter sido comum nos tempos idos (sem falar da atualidade!) - a impotência de uma pobre mulher diante da prepotência de um juiz corrupto. Por ser viúva em uma sociedade patriarcal e machista, ela encarna a impotência dos pobres e marginalizados diante dos poderes do mundo. Faz lembrar a denúncia do profeta Miquéias, estudado mês passado no Mês da Bíblia: “Ai daqueles que, deitados na cama, ficam planejando a injustiça e tramando o mal!  É só o dia amanhecer, já o executam, porque têm o poder em suas mãos” (Mq 2,1).

O que é ser menina no Brasil? – Desigualdade de gênero desde a infância



POR ELIZIANE LARA
Desde que a entrada da mulher no mercado de trabalho se consolidou, nos acostumamos a ouvir a expressão “jornada dupla”. Ela serve para explicar que a mulher trabalha fora de casa e quando volta ainda tem que realizar todas as tarefas de casa, diferentemente dos homens que, em geral, assumem bem menos atividades no lar. O que revela uma pesquisa inédita realizada pela Plan, organização internacional que atua na defesa de direitos da criança, é que essa jornada dupla feminina, no Brasil, começa já na infância.

Intitulado “Por ser menina no Brasil: crescendo entre direitos e violências”, o estudo ouviu 1.771 meninas de 6 a 14 anos nas cinco regiões do país e constatou uma desigualdade gritante na distribuição de tarefas domésticas entre meninas e meninos. Para se ter uma ideia do tamanho desse abismo, 81,4% das meninas relataram que arrumam a própria cama, tarefa que só é executada por 11,6% dos irmãos meninos. 76,8% das meninas lavam a louça e 65,6% limpam a casa, enquanto apenas 12,5% dos irmãos lavam a louça e 11,4% limpam a casa. E a lista de atividades realizadas pelas meninas não para por aí, como mostra a tabela abaixo.

Quem faz o quê em casa

Os pesquisadores entrevistaram meninas matriculadas em escolas públicas e particulares, situadas no campo e na cidade. Assim, foi possível detectar a interferência de diferentes contextos sociais no cenário mapeado. Como exemplo, a pesquisa constatou que o trabalho doméstico das meninas é mais presente na zona rural (74,3% das meninas nas escolas rurais declararam limpar a casa) que no meio urbano (o percentual desce para 67,6% nas escolas públicas urbanas e para 46,6% nas escolas particulares urbanas).

A missão da Igreja é uma imensa obra de misericórdia! [Itacir Brassiani msf]



No evangelho de hoje, Jesus fala sobre a oração, tema muito apreciado por muitos cristãos.  Mas Jesus não insiste propriamente na quantidade da oração, mas na oração perseverante, na confiança em Deus. Ou seja: não se trata apenas de ‘rezar sempre’, mas de ‘nunca desistir’ de rezar. O próprio Jesus não foi uma espécie de monge dedicado exclusivamente à oração, e os discípulos que deram prosseguimento à sua missão, conjugaram equilibradamente o anúncio do Evangelho com muitas iniciativas em favor das pessoas da comunidade ou de fora dela e com a prática da caridade e a oração.

Para entender a parábola proposta por Jesus no evangelho deste domingo precisamos dar um passo atrás e situa-la no seu contexto literário. Assim, percebemos que vários versículos são dedicados à questão da vinda do Reino de Deus (cf. Lc 17,20-37). Misturando a linguagem direta com a linguagem apocalíptica, Jesus ensina que o Reino de Deus não aparece de forma ostensiva e espetacular, mas é uma surpresa que se esconde em todas as ações e movimentos de solidariedade. E a súplica da viúva da parábola tem seu foco implícito na súplica e na expectativa da manifestação da justiça do Reino de Deus.

É importante lembrar também que, na Bíblia, a viúva é o protótipo da pessoa pobre e abandonada, do sujeito que está no limite da sobrevivência e não tem com quem contar. A tais pessoas pertence o direito de clamar a Deus. Quem clama são os oprimidos e os pobres; os poderosos e ricos apenas reclamam. E Deus jamais se mostrou indiferente ao clamor de quem, dia e noite, suplica diante dele. A passagem paradigmática continua sendo aquela do livro do Êxodo: “Os israelitas continuavam gemendo e clamando sob dura escravidão. E os gritos de socorro devidos à escravidão subiram até Deus” (Ex 2,23).

Uma fé que protesta [Adroaldo Palaoro]



“Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” Lc 18,8



Na parábola de hoje, dois personagens ocupam a cena. Um juiz que “não teme a Deus” e “não respeita as pessoas”; é um homem surdo à voz de Deus e indiferente aos sofrimentos dos oprimidos.

De outro lado, a parábola fala de uma viúva que tem fé e que protesta, pedindo justiça, apesar da insensibilidade do juiz.

Quê ressonâncias pode encontrar hoje em nós este relato dramático que nos lembra tantas vítimas abandonadas injustamente à própria sorte?

Na tradição bíblica, a viúva é, junto com o órfão e o estrangeiro, o símbolo por excelência da pessoa indefesa que vive desamparada, a mais pobre dos pobres.

A “viúva” é uma mulher sozinha, sem a prote-ção de um esposo e sem apoio social algum. Só tem adversários que abusam dela.
A pobre viúva, no evangelho de hoje, longe de resignar-se, clama por justiça; ela não tem outra coisa a não ser sua voz para gritar e reivindicar seus direitos. Toda sua vida se transforma num grito de protesto: “faze-me justiça!”. Seu pedido é o de todos os oprimidos injustamente. Um grito que vai ao encontro daquilo que Jesus dizia aos seus seguidores: “Buscai o Reino de Deus e sua justiça”.