domingo, 30 de outubro de 2016

Deus ama os pecadores [Marcel Domergue]



Quem faz parte do Reino de Deus? A Liturgia nos propõe esta questão desde o 28º Domingo. A caminho do Reino estão todos os que dão graças (28º), os que rezam sem se desencorajar (29º), os que têm um coração de pobre (30º), os que querem ser convertidos (este Domingo).

A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 31º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C (30 de outubro de 2016). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

Eis o texto.

Referências bíblicas

1ª leitura: “A todos Tu tratas com bondade”, porque “amas tudo o que existe” (Sabedoria 11,22-12,2)

Salmo: Sl 144(145) - R/ Bendirei eternamente vosso nome; para sempre, ó Senhor, o louvarei!

2ª leitura: “O nome de Nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós nele” (2 Tessalonicenses 1,11-2,2)

Evangelho: “O Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lucas 19,1-10)

O encontro de Zaqueu com Jesus

A caminho de Jerusalém, Jesus entrou em Jericó e ia atravessar a cidade. Mas não chegou ao final da travessia: o encontro com Zaqueu irá levá-lo a mudar de programa. Os dois Testamentos nos falam seguidamente deste Deus que, longe de ser imutável, modifica as suas intenções em função do que encontra no homem.

Não chegou Ele, em Jesus Cristo, até mesmo a renunciar à sua "forma de Deus", como diz Filipenses 2,6? Temos então, aqui, o encontro de Jesus com este homem ilustre; um chefe, muito rico, a serviço dos invasores. À primeira vista, este homem tem de tudo. E, no entanto, algo lhe falta: dispõe de tudo com fartura, mas, mesmo assim, "procura ver quem era Jesus".

Já ouvira, com certeza, falar dele, tendo compreendido haver algo mais importante do que a riqueza, a autoridade e a situação social. Em resumo, permaneceu como um homem de desejo. Desejo, a princípio, impossível de ser satisfeito, pois ele não está à altura: o seu tamanho pequeno não é um fato apenas físico nem a multidão um obstáculo somente material para o seu encontro com Cristo, conforme mostra o versículo 7.

Todos os obstáculos vão ser vencidos. O fato de Zaqueu ter corrido à frente e subido numa figueira exprime e representa a sua fé e a sua esperança. Queria somente "ver quem era Jesus", e eis que agora Jesus olha para ele e o chama pelo nome. Zaqueu teve de descer e voltar à sua pequena estatura. Quanto a Jesus: “devo ficar na tua casa” foi o que disse. "Hoje, eu devo ficar" na casa deste chefe dos publicanos.

A morada de Deus

Este "deve" não exprime uma espécie de necessidade moral, mas uma exigência de amor. Há certa ternura no modo pelo qual este encontro é contado. Zaqueu não se contentou com extasiar-se diante dos sinais que ouviu contar; quis conhecer Jesus. A pessoa do Cristo é que lhe interessa; um pouco como o décimo leproso de Lucas 17.

João insiste muitas vezes na passagem da visão das obras à fé na pessoa. No fim do relato, Jesus dirá que a salvação chegou para "esta casa" porque Zaqueu também é um filho de Abraão. Não se trata evidentemente da filiação em sentido genético. Paulo irá repetir que Abraão é nosso pai na fé: é o pai dos crentes. E porque acreditou, até a ponto de subir nas árvores, Zaqueu ouviu Jesus dizer-lhe que, hoje, vai ficar em sua casa.

O tema da morada de Deus, do lugar da residência divina, é onipresente na Bíblia. O novo templo será o Corpo do Cristo, este Corpo da ressurreição que preencherá todo o universo (ver João 2,20-22). Em Mateus 18,20, ficamos sabendo que esta morada divina encontra-se ali "onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome". No nome do Cristo, quer dizer, na fé.

A morada de Zaqueu, morada humana, torna-se morada divina. Devemos notar que poderíamos ter esperado que Jesus pedisse a Zaqueu para apenas encontrar-se com ele. Mas, não! Jesus é quem se desloca para ir encontrar-se com Zaqueu, e com todo homem, ali mesmo onde a sua vida se desenvolve.

A gratuidade do amor de Deus
Muitas traduções colocam no futuro a defesa de Zaqueu: "Darei aos pobres a metade dos meus bens". Temos aí uma interpretação, porque o texto grego está no presente. Imagina-se um cenário de conversão: tendo encontrado Jesus, o publicano vai mudar a sua relação com o dinheiro e com os outros.

Prefiro ver as coisas de outro modo: as testemunhas da cena qualificam Zaqueu como pecador. O que era normal, pois era um publicano. Zaqueu, "de pé", contesta este julgamento: dirigindo-se a Jesus, descreve o seu comportamento habitual. Decididamente, como se disse, tem tudo: riqueza, posição social e, agora, generosidade. Mas nada disto terá o valor do seu encontro de amor com Jesus, nem mesmo sua generosidade. Jesus dá a "salvação" a este homem por ele ser herdeiro da fé de Abraão.

Com efeito, o Filho do homem não veio chamar os justos, mas os pecadores, conforme está dito a propósito do chamado de Mateus, este outro publicano (Mateus 9,9-12). A origem da nossa relação de amor com Este que é a nossa origem não é o nosso comportamento "virtuoso", mas o amor que Deus tem para conosco. 

As nossas "boas ações" não são a causa disto, mas a sua consequência. No princípio, Zaqueu, assim como qualquer homem ou mulher, encontrava-se "perdido". Porém, mesmo sem saber, já estava habitado por Este que veio "procurar e salvar o que estava perdido".

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

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