1. Situando
1. O
início da atividade de Jesus foi apresentado dentro do esquema de uma
semana. Agora, ao iniciar a descrição dos sinais que acontecem no sábado
prolongado, o Quarto Evangelho adota o esquema das festas. Sábado é
festa! Todos os sinais relatados por João estão relacionados, de uma ou
de outra maneira, com festas importantes da vida do povo: casamento (Jo
2,1), Páscoa (Jo 2,13; 6,4; 11,55; 12,12; 13,1), Tendas (Jo 7,2.37),
Pentecostes (Jo 5,1), Dedicação do Templo (Jo 10,22).
2. Os
evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas colocam a expulsão do templo no
fim da atividade de Jesus, pouco antes da sua prisão, como um dos
motivos que levaram as autoridades a prender e matar Jesus. O Evangelho
de João coloca o mesmo episódio no começo da atividade de Jesus. É para
que as comunidades entendam que a nova imagem de Deus, revelada por
Jesus, não está mais no antigo templo de Jerusalém, mas sim no novo
templo, que é Jesus. Não se pode colocar remendo novo em pano velho (Mc
2,21).
2. Comentando
1. João 2,13-14: Na festa da Páscoa, Jesus vai ao Templo para encontrar o Pai, e encontra o comércio
Os
outros evangelhos relatam apenas uma única visita de Jesus a Jerusalém
durante a sua vida pública, aquela em que ele foi preso e morto. O
Evangelho de João traz informações mais exatas. Ele diz que Jesus ia a
Jerusalém nas grandes festas. Ir a Jerusalém significava ir ao templo
para encontrar-se com Deus. No casamento em Caná, apareceu o contraste
entre o vazio do Antigo e a abundância do Novo. Aqui aparece o contraste
entre o antigo templo, que virou casa de comércio, e o novo templo, que
é Jesus.
2. João 2,15-16: Jesus faz uma faxina no templo
No
templo, havia o comércio de animais para os sacrifícios e havia as mesas
dos cambistas, onde o povo podia adquirir a moeda do imposto do templo.
Vendo tudo isso, Jesus faz um chicote de cordas e expulsa do templo os
vendedores com seus animais. Derruba as mesas dos cambistas, joga o
dinheiro no chão e diz aos vendedores de pombas: “Tirem essas coisas
daqui! Não façam da casa do meu Pai uma casa de comércio!” O gesto e as
palavras de Jesus lembram várias profecias: a casa de Deus não pode ser
transformada em covil de ladrões (Jr 7,11); no futuro não haverá mais
vendedor na casa de Deus (Zc 14,21); a casa de Deus deve ser uma casa de
oração para todos os povos (Is 56,7).
3. João 2,17: Os discípulos procuram entender o gesto de Jesus
Vendo o
gesto de Jesus, os discípulos lembraram outras frases e fatos do Antigo
Testamento: o salmo que diz: “O zelo de tua casa me devora” (Sl 69,10),
e o profeta Elias que dizia: “Eu me consumo de zelo pela causa de Deus”
(1Rs 19,9.14). Naquele tempo diziam: “A Bíblia se explica pela Bíblia”.
Ou seja, só Deus consegue explicar o sentido da Palavra de Deus. Por
isso, se os gestos de Jesus são Palavra de Deus, então devem ser
iluminados e interpretados pela Palavra de Deus presente na Escritura.
Isso ajuda a atualizar o significado das coisas que Jesus fez e falou, e
a manter viva a sua presença no meio de nós. Aqui se percebe como é
importante o mutirão de memória para lembrar outros textos da Bíblia.
4. João 2,18-20: Diálogo entre Jesus e os judeus
Tocando
no templo, Jesus tocou no fundamento da religião do seu povo. Os
judeus, isto é, os líderes, perceberam que ele tinha agido com muita
autoridade. Por isso, pedem que apresente os documentos: “Que sinal você
nos dá para agir desse jeito?” Jesus responde: “Podem destruir esse
templo e em três dias eu o levantarei!”.
Jesus
falava do templo do seu corpo, que seria destruído pelos judeus e em
três dias seria totalmente renovado pela ressurreição. Os judeus tomaram
as palavras de Jesus ao pé da letra e zombaram dele: “Levaram 46 anos
para fazer este templo e você o levantará em três dias!” É como se
dissessem com desprezo: “Vá enganar outro!” Sinal de que nada entenderam
do gesto de Jesus, ou não quiseram entendê-lo!
5. João 2,21-22: Comentário do evangelista
Os
discípulos também não entenderam o significado desta palavra de Jesus.
Foi só depois da ressurreição que compreenderam que ele estava falando
do templo do seu corpo. A compreensão das coisas de Deus só acontece aos
poucos, em etapas.
A
expulsão dos comerciantes tinha ajudado a entender as profecias do
Antigo Testamento. Agora, é a luz da ressurreição que ajuda a entender
as palavras do próprio Jesus. Jesus ressuscitado é o novo templo, onde
Deus se faz presente no meio da comunidade.
6. João 2,23-25: Comentário do evangelista sobre a fé imperfeita de algumas pessoas
Naqueles dias da festa da Páscoa, estando Jesus em
Jerusalém, muita gente começou a crer nele por causa dos sinais que ele
fazia. O evangelista comenta que a fé da maioria destas pessoas era
superficial, só da boca para fora. Este breve comentário sobre a
imperfeição da fé das pessoas deixa uma pergunta importante na nossa
cabeça: “Então, como é que eu devo fazer para crescer na fé?” A resposta
será dada na conversa de Jesus com Nicodemos, sobre a qual vamos
meditar no próximo círculo.
3. Alargando
Jesus e o templo
Para os
judeus do tempo de Jesus, o centro do mundo, o lugar onde o céu tocava
na terra (Ez 5,5; 38,12; 43,7.12) era o “Santo dos Santos” no templo de
Jerusalém. Sendo o lugar central da religião, o culto no templo regulava
a vida cotidiana de todos. O judeu piedoso, não importando o lugar em
que morasse, deveria ir ao templo uma vez na vida. Mesmo no lugar mais
distante, quando fazia suas orações, a pessoa devia orientar seu corpo
em direção a Jerusalém e ao templo (Sl 138,2; 1Rs 8,44). O templo era o
lugar para onde convergiam as multidões de romeiros, três vezes ao ano,
por ocasião das grandes festas nacionais (Ex 23,17; Jo 2,13; 5,1; 7,2).
Sendo
de família judia, Jesus segue a prática religiosa de sua gente. Por ser o
primogênito de José e de Maria, ele foi apresentado a Deus no templo
quando nasceu (Lc 2,22-28). Aos 12 anos, fez o ritual de passagem para a
vida adulta, lendo um trecho da Lei diante dos escribas do templo (Lc
2,41-45). Com seus familiares participava das romarias anuais por
ocasião das festas (Lc 2,41; Jo 2,13). Durante sua vida pública, Jesus
toma atitudes de verdadeiro profeta, denunciando os desvios do culto
celebrado no templo. Seu gesto de expulsar do santuário os cambistas e
os vendedores lembra as palavras de Miqueias (Mq 3,11-12), de Jeremias
(Jr 26,1-18) e de Isaías (Is 66,1-4). Retomando as palavras de Oseias
(Os 6,6), Jesus proclama a superioridade da misericórdia sobre os
sacrifícios (Mt 12,7-8).
As
primeiras comunidades dos seguidores e seguidoras de Jesus eram todas
formadas por gente vinda do judaísmo da Palestina. No início, estas
pessoas continuavam ligadas ao templo e frequentavam o santuário para
rezar (At 2,46; 3,1). Mas, com o tempo, judeus helenistas e samaritanos
entraram na comunidade. Estas pessoas não tinham uma ligação tão
profunda com o templo de Jerusalém. Principalmente os samaritanos, que
tinham seu próprio santuário no alto do monte Garizim (Jo 4,20). A
presença destas pessoas fez com que as comunidades começassem a perceber
que a prática libertadora de Jesus tornava inúteis os sacrifícios
apresentados pelos sacerdotes no templo.
Depois
do ano 70, com a destruição do templo, as comunidades releram as
palavras de Jesus e concluíram que o templo de Jerusalém estava
ultrapassado. A Glória de Deus não habitava mais naquele espaço! As
comunidades do Discípulo Amado foram as que mais avançaram nesta
reflexão. Elas concluíram que, em Jesus, Palavra de Deus feita carne,
reside a Glória de Deus (Jo 1,14). Jesus é o novo templo. O corpo de
Jesus, ou seja, a sua realidade humana, é o local em que habita a
plenitude da Divindade (Jo 2,21-22). Deus não se prende a nenhum
santuário, nem o de Jerusalém nem o do monte Garizim (Jo 4, 21). O que o
Pai quer são os verdadeiros adoradores, aquelas pessoas que manifestam
Deus em suas vidas por meio do amor ao próximo. Estas são as que o
adoram “em espírito e verdade” (Jo 4,23). O verdadeiro templo de Deus é a
comunidade, onde as pessoas são todas sacerdotes e sacerdotisas, “as
pedras vivas”, que continuamente oferecem a Deus o autêntico sacrifício
espiritual (1Pd 2,4-5). Por isso mesmo, no Evangelho de João, a limpeza
da casa de Deus acontece no início da vida pública de Jesus
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