Continuam alarmantes os índices de violência e
letalidade que se abate sobre a adolescência e juventude brasileiras.
Sim que se abate, porque a juventude, em especial a juventude negra é
abatida diariamente por acertos entre gangues, controle das ‘bocas de
tráfico’, a segurança privada – muitas vezes exercidas por policiais em
suas folgas e pelo aparato policial. Isto acontece lá nas periferias,
enquanto grande parte da população nem se dá conta. É o que revela a
pesquisa sobre Índices de Homicídios de Adolescentes (IHA) em 2012,
conforme documento oficialmente divulgado no final de janeiro pelo
governo federal, em parceria com a UNICEF, Observatório de Favelas e
Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Rio de Janeiro.
O estudo que coloca a Bahia, logo depois de Alagoas
como o Estado com os piores índices, confirma o que pesquisas
anteriores, como o Mapa da Juventude 2013 – Homicídios e Juventude no
Brasil , coordenado por Júlio Jácobo Waiselfisz, de que o Nordeste a e
Bahia infelizmente ostentam hoje os piores índices de homicídios/100.000
habitantes. Já se sabia, por exemplo, que 3 municípios baianos estão
entre as 10 cidades com maior violência e vulnerabilidade para a
juventude – Itabuna, Simões Filho e Teixeira de Freitas. Os números são
assustadores – com base de dados de 2012, o IHA estima que entre 2013
2019 mais de 42 mil adolescentes, de 12 a 18 anos, poderão ser vítimas
de homicídio nos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes.
A pesquisa anota, ainda, que a letalidade sobre essas
‘quase’ crianças de 12 anos, atinge três vezes mais os negros
adolescentes e que os índices são mais elevados em cidades que
experimentaram rápido crescimento econômico, a indicar a permanência ou
agravamento da desigualdade e da exclusão. Curioso é que não estabelece
um nexo direto apenas pela redução da desigualdade, sinalizando que
outros componentes determinantes, como o debate sobre a
descriminalização das drogas e efetivo controle sobre o comércio de
armas não foram devidamente enfrentados.
Este quadro foi destacado entre os pontos de
preocupação que os movimentos sociais e ONGs encaminharam no final do
passado aos parlamentares e ao recém eleito governador Rui Costa, ainda
antes de compor seu secretariado, motivados tanto pelos preocupantes
indicadores, mas também pelo anúncio de que se criaria aqui na Bahia, um
corporação especial de enfrentamento policial nos moldes do BOPE. A
resposta priorizada pelo crescente aparato repressivo vai criando guetos
nos fundões da cidade, numa evidente desproporção e cultura
militarizada de segurança pública, sem se levar em conta a interlocução
com a sociedade. O caldo dominante de confrontos e de armamentos frente à
espécie de guerrilha urbana entre a polícia e narcotraficantes e destas
entre si pelo domínio de territórios , coloca a população e a juventude
das periferias num progressivo campo de vulnerabilidade.
O tema da (in)segurança pública está entre os
principais desafios aos governantes recém-eleitos. Lamentavelmente, os
governos de centro-esquerda continuam tomados pela visão autoritária de
priorizar tecnologias e armamentos para enfrentar as mazelas do
narcotráfico, concorrendo para o agravamento da violência e da
letalidade que recai especialmente sobre a juventude negra.
Se de um lado multiplicam-se Bases Comunitárias de
Segurança o que, em princípio, pode ser algo necessário e até desejável
pela população, o predomínio do despreparo e truculência de políticas de
segurança pública onde impera o caráter militar nas ações, evidencia um
modelo imediatista de quem parece estar perdendo esta ‘guerra’,
sacrificando uma juventude em que muitas pessoas pensam que não têm
futuro.
É positiva a declaração do governador de pretender
acompanhar de perto a ação policial para não se curvar ao domínio do
narcotráfico. Resta saber como irá combinar as operações com o controle
social, já que os grupos de juventude e outros movimentos têm todo o
interesse na superação da violência ao contatar que tantos amigos de
infância são assassinados nesta guerra insana, a exemplo dos jovens
Giovane, Joel e Davi Fiúza, comprovadamente assassinados por prepostos
da PM. Ademais, existe na Bahia um Observatório de Segurança Pública
composto por acadêmicos e lideranças comunitárias que precisa ser
consultado como importante aliado na definição de políticas. Do mesmo
modo, a articulação coordenada pela SEPROMI através do Centro de
Referência Nelson Mandela, com a interveniência de universidades,
entidades da sociedade civil e inúmeros órgãos do poder público que
formam a Rede de Combate ao Racismo e à Into-lerância Religiosa, com a
finalidade de atender e acompanhar qualquer denúncia de discriminação
racial.
No calor da interpretação da pesquisa, fomos
surpreendidos com o cerco da Rondesp – Rondas Especiais da Polícia
Militar quando, na madrugada do último dia 06, 13 jovens foram mortos na
Estrada das Barreiras, Vila Moisés, região do Cabula, em Salvador, em
suposto confronto com os policiais. A narrativa é chocante – 30 jovens
com idade inferior a 30 anos estariam se preparando para explodir um
caixa eletrônico e, tomados de surpresa, teriam começado a atirar,
resultando na chacina, ainda com um militar ferido de raspão e mais 3
jovens da quadrilha que tombaram feridos. Impressiona pelo número de
mortos e pela pronta declaração do governador justificando a necessidade
de dar resposta forte e de evidente superioridade no controle das
operações, deixando inequívoco quem são os vitoriosos. As famílias
choraram seus filhos na Quinta dos Lázaros – o cemitério dos pobres.
Ainda que tomadas as medidas de praxe, com a
apreensão das armas dos policiais e mobilizada a corregedoria para
ouvi-los, bem como testemunhas locais, mais uma vez socorreu-se à
tipificação do “Auto de Resistência” que é quando pessoas suspeitas
reagem com violência às ações policiais e, por isso, são rechaçadas,
também conhecido como “Resistência seguida de morte’. A Anistia
Internacional e organizações que atuam na promoção e defesa da criança e
do adolescente, além de repórteres investigativos visitando logo em
seguida a região, em contato com moradores e familiares ouviram versões
bem diferentes que evidenciariam atos de execução, inclusive com os
jovens desarmados, um deles com apenas 15 anos.
Também, a OAB, mostrou preocupação com o
esclarecimento em torno das mortes no Cabula, diante da declaração de
moradores, pedindo a apuração imediata e isenta dos fatos “seja para
afastar qualquer dúvida sobre a atuação da Polícia Militar, seja para
identificar excessos e punir aqueles que tenham agido de forma distante
dos valores constitucionais”.
No mínimo, o gesto do governador que ganhou grande
repercussão favorável junto à corporação militar e boa parte de opinião
pública, alarmada pelos índices de violência – a mesma que defende a
redução da maioridade penal e até pena de morte, revelou-se
intempestivo, conforme seu declarado zelo pela legalidade e pelo estado
de direito.
Ou os governantes investem com prioridade absoluta em
políticas inclusivas de capacitação profissional e de arte-educação que
resgate a autoestima e a solidariedade nesta fase da vida, serviços de
qualidade para além da restrita inclusão pelo consumo, de maior preparo
na formação dos policiais, o uso das drogas também como desafio
colocado à saúde pública – enfim, um conjunto articulado e corajoso que
supere a tentação imediatista de enfrentar as mazelas da violência com
mais violência traduzida em armamentos, viaturas e formação
preconceituosa sobre direitos humanos, ou continuaremos dizimando nossa
população jovem, reforçando o estigma seletivo próprio de um estado
racista e autoritário.
Texto de: José Carlos Zanetti (assessor de projetos e formação da CESE)
Texto de: José Carlos Zanetti (assessor de projetos e formação da CESE)
Fonte: ALC Noticias | Índice de homicídios na adolescência – embate difícil e crucial
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