Por Maria Clara Leal[*]
Em meio às conversas sobre a redução da
maioridade penal, como cristã, gosto de tentar viajar no tempo e
imaginar: qual seria o posicionamento de Jesus?
Em muitos momentos não nos permitimos
atualizar. É comum nos prendermos nos exemplos dos evangelhos,
utilizando-os como referências para tentar aplicar na nossa realidade
formas de lidar com as situações apresentadas a nós. Claro que isso não é
um problema! Como cristãos, devemos nos apoiar nas sábias palavras e
exemplos que preenchem os textos de João, Lucas, Marcos e Mateus, bem
como outros da Bíblia. Mas às vezes caímos no famoso “copiar” e “colar”
da atualidade.
Se agirmos desta forma, é fácil nos
descobrirmos desprevenidos, pois o reinventar humano nos assusta com
novos acontecimentos. Hoje, não temos só cobradores de impostos, não
temos só prostitutas, não temos só deficientes e leprosos. O mundo
moderno nos apresenta constantemente uma variedade de novas situações. A
velocidade dos acontecimentos nos obriga a pensar e nos posicionar
agilmente. Não sei, mas parece que muitas vezes essas novas situações
nos colocam em enrascadas. Por não termos situações idênticas na Bíblia,
ficamos perdidos.
Jesus Cristo viveu em outra época, outros
desafios e situações. Mas algo que considero fantástico na sua história
são seus momentos de retiro. As reflexões do jovem de Nazaré também são
contadas pelos evangelhos. Ele subia nos montes para rezar, sentava com
calma junto com seus apóstolos e se retirava como fez durante os
quarenta dias no deserto. Seus posicionamentos também eram frutos de
suas reflexões. Por que então refletimos tão pouco? Estamos sendo
devorados pelo mundo instantâneo que vivemos, precisamos copiar
rapidamente a resposta, mas não nos damos o espaço para refletir.
Essas peculiaridades de Cristo passam
despercebidas quando buscamos atentamente na leitura de sua história as
respostas rápidas, um guia de instruções. Quando fazemos isso, anulamos
nossa capacidade inventiva, nos tornamos cristãos presos à época de
Jesus e incapazes de atuar no mundo de hoje da forma que ele fez no seu
espaço.
Quando não achamos as respostas rápidas
na bíblia, quando não encontramos situações idênticas às nossas, quando
não sabemos encontrar nas entrelinhas e nos gestos do nazareno as
respostas, nos sentimos no direito de deixar os acontecimentos à parte,
julgamos melhor não pensar sobre isso. Ou então, nos sentimos
autorizados a copiar qualquer outra fala de alguém que pareça
convincente, acabando por reproduzir discursos de ódio e repletos de
sentimento de vingança e senso comum.
Nesses momentos, passamos a ocupar o
lugar daqueles que pegavam as pedras para prontamente atacá-las em Maria
Madalena. Mas, como cristãos, não deveríamos ocupar o lugar de Jesus
Cristo? Daquele que olha para as lágrimas de quem sofre? Quando me vejo
no primeiro lugar, me exijo o retiro, o encarando como um ensinamento do
filho de Deus. Não para fugir da situação, mas para acalmar os
sentimentos hostis que às vezes nos envolvem.
Mas e a redução da maioridade penal?
Eu não me lembro de ter algum dia me
deparado com alguém que soubesse a resolução de Jesus para o problema,
ou seja, na Bíblia não tem uma passagem que relata o que o jovem de
Nazaré fez ao encontrar um menor
infrator. Este não era um ponto em questão nas terras pisadas por ele
naquele tempo. Isso não permite que caiamos no erro de tomar como
opinião o discurso corriqueiro, aquele dito pela mídia ou por alguma
personalidade “bacana”.
Então, opino pela reflexão, e retorno ao início deste texto. Qual seria o posicionamento de Jesus?
Quando um crime praticado por um jovem
acontece, um assalto ou a realização de qualquer ato danoso contra uma
vítima, sentimos muito junto com ela e com razão. Essa identificação com
a vítima muitas vezes nos leva ao discurso:
“Tem que reduzir a maioridade penal sim!”
“Bandido bom é bandido morto”
“Se tem idade para matar, tem para ir para a cadeia”.
Mas podemos sair do lugar de
apedrejadores, vamos olhar a cena de longe. O lugar ocupado por Jesus
Cristo está vazio, nele não deveriam estar os cristãos? Não para
defender o erro de alguém, mas para reconhecer o humano apedrejado, as
suas necessidades, o lugar que foi destinado e ocupado por ele e que
pode ter o feito a acabar ali. Assim, podemos pensar nos movimentos
anteriores, o que faz um jovem chegar naquele lugar. Será que a
sociedade cuida do caminho percorrido por ele no seu desenvolvimento?
Será que ele teve espaço para atingir o seu potencial? De repente,
percebemos que a nossa sociedade parece tão injusta quanto a de Cristo e
que sim, o evangelho nos ensina a lidar com essa situação.
Acho que era isso que o Jesus pensava
quando se encontrava com os sujeitos que pareciam perdidos neles mesmos,
“sem voz, sem vez, sem lugar”. As atitudes tomadas por ele nas
situações de miséria humana sempre eram baseadas no respeito e amor.
Quando Pilatos lavou as mãos na condenação de Cristo, ele o fez para
todas essas propostas inovadoras e de compaixão defendidas pelo jovem de
Nazaré. É mais fácil lavar as mãos e ignorar a ter que o ajudar nas
transformações. Hoje, quando nos deparamos com a questão da redução da
maioridade penal, temos dois caminhos: ser Pilatos ou Cireneu.
Quando refletimos como Jesus, podemos
compreender o outro e experimentar sua visão diante da vida. Quando
fazemos isso com cada jovem que tem seus direitos negados, que é pobre e
marginalizado (pois é esse o perfil da maioria dos que cometem
infrações no nosso país) compramos a causa cristã. Deixamos de ser
Pilatos quando não lavamos as mãos e ajudamos o outro a carregar a sua
cruz, como fez Cireneu. Hoje, nós somos convidados a defender o reino
fraterno proposto por Jesus Cristo. Não reduzir a maioridade penal é
abrir o espaço para novas propostas de lidar com o problema, é não se
conformar com ele, assim como o filho de Deus não se conformou, bem como
não naturalizou as práticas de sua época.
Quando fazemos isso, encontramos qual
seria o posicionamento de Jesus e descobrimos que os evangelhos podem
nos proporcionar mais do que imaginamos.
[*]Maria Clara Leal,
23 anos, é estudante de Psicologia e participa da Pastoral da Juventude
da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Conceição de Macabu/RJ. Também
atua como voluntária na Pastoral da Criança e defensora dos direitos dos
animais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário