Este texto está situado na primeira parte do
Evangelho, onde Marcos procura demonstrar que as autoridades religiosas
da época, os próprios parentes de Jesus e os discípulos d’Ele não o
compreenderam, apesar de verem as suas obras e milagres (1, 19-8, 21).
Toda esta primeira parte do Evangelho prepara o chão para a pergunta
fundamental do Evangelho: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Por isso a
história hoje relatada leva os discípulos a se perguntarem: “Quem é este
homem?”
A história do evento no mar de Galileia retrata
simbolicamente a situação da comunidade marcana, pelo ano 70, quando o
Evangelho foi escrito. A comunidade está vacilando na sua fé, assolada
por dúvidas e até perseguições. Diante do cansaço da caminhada, muitos
se refugiaram na busca de uma religião de milagres, sem o esforço de
seguir Jesus até a Cruz. Por isso, Marcos insiste que os milagres não
são suficientes para conhecer Jesus, pois as autoridades, os familiares
e os discípulos os presenciaram e não chegaram a entender nem a pessoa
nem a proposta de Jesus.
O barco no lago, assolado pelos ventos e ondas,
representa a comunidade dos discípulos, prestes a afundar-se por causa
das dificuldades da caminhada. Jesus dorme no barco e parece não se
preocupar com o perigo. Assim, para a comunidade marcana, parecia que
Jesus não estava ligado aos seus sofrimentos e, como consequência,
vacilavam na sua fé. Mas, Jesus acalmou o mar e ainda questionava a
pouca fé dos Doze: “por que vocês são tão medrosos? Vocês ainda não têm
fé?” (v. 3). Assim, Marcos quis mostrar aos leitores do seu tempo que
Jesus estava com eles nas dificuldades e que a sua falta de fé estava
causando grande parte das dificuldades que estavam enfrentando.
Hoje, em muitos lugares, a Igreja parece com a
igreja marcana, ou ainda como o barco no mar. Diante das desistências,
do secularismo, da diminuição da sua influência, para muitos a Igreja
esta se afundando. Em lugar de assumir o doloroso seguimento de Cristo
até a Cruz, muitos se refugiam em uma religiosidade de milagres, assim
fugindo da penosa tarefa de construir o Reino de Deus entre nós. Até
diante da pessoa e mensagem do Papa Francisco, muitos simpatizam com
ele como pessoa, mas permanecem surdos aos seus apelos em favor de um
seguimento autêntico do Salvador. Marcos vem corrigir esta ideologia
triunfalista das suas comunidades e nos convida a aprofundar a nossa
fé, a clarear para nós mesmos e para o mundo “quem é este homem?”, e a
segui-Lo no dia a dia. Pois, Jesus não está alheio às nossas
dificuldades! Pelo contrário, Ele está no meio de nós. Só que não nos
livra da tarefa de nos engajarmos na luta pelo Reino, mesmo que as
ondas e os ventos estejam contrários. Ter fé n’Ele não é somente
acreditar que
Ele exista e seja Filho de Deus, mas tomar a nossa
cruz e segui-Lo, na certeza que Ele não nos abandonará! Ressoa para nós
hoje a pergunta de dois mil anos atrás: “Por que são tão medrosos?
Ainda não têm fé?”
Fonte: Tomaz Hughes
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