segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cântico dos Cânticos: motivações e propostas

Cântico dos Cânticos: motivações e propostas

CÂNTICO DOS CÂNTICOS OU CANTARES
Introdução:
No original hebraico, traduzido literalmente, temos: "Cântico dos Cânticos, de Salomão" (1,1). O gênero literário de "Cântico dos Cânticos" ou "Cantares", quer dizer o cântico por excelência, porque o hebraico não tem superlativo.
O texto diz que o rei Salomão é o autor, mas esta é uma ficção literária.
Como surgiu?  Parece plagiar os cânticos do culto cananeu, o culto da fertilidade da deusa Istar.
Situando: O contexto de Cântico dos Cânticos
Os contextos político e religioso foram os principais motivadores para o surgimento do livro Cântico dos Cânticos, ou Cantares, no período em que o o povo judeu voltou do cativeiro na Babilônia (mais conhecido como Pós-Exílio) entre 450 e 400 a. C. O governador Neemias e o escriba Esdras estavam encarregados da reconstrução da nação, com uma política de “pureza dos judeus” (Esdras 9,1-10,17; Neemias 13,23-29). Só que este ‘projeto’ se tornou preconceituoso e racista. Por isso apareceram os escritos de Cantares e Rute: para defender os direitos dos pobres – dentre eles as mulheres, e valorizar a  solidariedade e o amor, porque estão acima da Lei e da etnia.
 Proposta 1: Cantares 1,5-6; 5,10; 8,4b.6-7 X projeto de pureza racial
 Para meditar os textos cantando:
MORENA TROPICANA (Alceu Valença)
- Da manga rosa, quero o gosto de suco, melão maduro, sabor de enjoar, jabuticaba teu olhar noturno, beijo travoso de umbu-cajá, pele macia, ai carne de caju, saliva doce, doce mel, mel de urucu.
- Linda morena, fruta de vês temporana, caldo de cana-caiana vem me desfrutar. Linda morena, fruta de vês temporana, caldo de cana-caiana, vou te desfrutar.
Morena tropicana, eu quero teu sabor, ai, ai, ai, ai. Morena tropicana, eu quero teu sabor, ai, ai, ai, ai.     
  Nível econômico e social
O texto critica a exploração que faz do corpo da mulher uma mercadoria. A mulher não dispunha do seu corpo, tinha uma dependência do pai, e depois de casada do marido. Vejamos como era a realidade:
Cantares 1,6; 8,8; Gênesis 34,6-12. Êxodo 22,15-16; Deuteronômio 22,13-21; 25,5-10
Proposta 2: Cantares 2,16; 4,1-6; 5,10-16; 6,3; 7,2-6 X a cultura patriarcal   
 Para meditar os textos cantando
A NOITE DE MEU BEM (Dolores Duran)
- Hoje, eu quero a rosa mais linda que houver, e a primeira estrela que vier para enfeita a noite do meu bem. Quero a alegria de um barco voltando, quero a ternura de mãos se encontrando para enfeitar a noite do meu bem.
- Ai, quero o amor mais profundo, eu quero toda beleza do mundo, pera enfeitar a noite do meu bem. Ai, como este bem demorou a chegar que eu já nem sei se terei no olhar toda a ternura que eu quero lhe dar.

Cantares é uma literatura poética, que trata do amor entre a mulher e o homem. É uma poesia romântica e erótica. Os textos destacam à alegria, os beijos, as caricias, a busca e o encontro com a pessoa amada. A descrição do físico masculino e do feminino. Da excitação, da genitália, do ato sexual. Podemos até ficar perplexos, ao tratar deste assunto, porque a tradição cristã desgenitalizou o amor, considerando a "carne" um pecado. A mística sem alegria e sem prazer. Umberto Eco, em seu romance ‘O nome da rosa', diz de maneira genial: "O diabo não é o príncipe da matéria, o diabo é a arrogância do espírito, a fé sem sorriso, a verdade nunca tocada pela duvida".
Cantares não é patriarcal. Foi escrito na perspectiva da mulher, e ela não é citada como esposa e mãe - ela é apenas a Amada, que toma iniciativa (1,4; 3,1-4; 7,11-13). Não é submissa (2,16; 6,3; 7,11).
Há duas personagens mulheres - a Amada (1,5a.9.15; 2,2; 4,1; 5,1; 6,4;  e as Filhas de Jerusalém (1,5b; 2,7; 3,5; 8,4) e cita a mãe (6,9b; 8,1.5). Também tem três personagens homens - o amado (1,13-14; 2,3.8.16; 5,4-6.10; 7,11-12). Os irmãos da Amada que são cruéis, desumanos (1,6; 8,8). Os guardas da cidade, que são estúpidos e violentos (3,3; 5,7).
Vamos fazer uma leitura na ótica do "Eros": da sexualidade, sensualidade e sexo.
Antes de atingir a consciência, antes mesmo de ser "bom" ou "mau", Eros reside no intimo da pessoa, no nível do Profundo. E esta "consciência" vem do inconsciente, e Eros se manifesta através da sexualidade, sensualidade (com afetividade) e sexo.
Sexualidade - quando nascemos já trazemos conosco a nossa sexualidade. Ninguém nasce assexuado. E nas várias fazes da vida - infância, adolescência, juventude e maturidade - buscamos aprender a lidar com a sexualidade. Vamos ampliando os conceitos dos aspectos biológicos, psicológico e social. Mas não podemos dizer que já estamos maduros. Porque ficamos muito presos mais nas regras do como fazer, do que na experiência, no ousar, sentir, para depois concluir. Se negarmos a experiência, também negaremos a vida, rejeitamos o crescimento. Quem sabe viver bem a sua sexualidade, sabe ser afetivo, ter ternura, constituindo uma dimensão fundamental da condição humana. Ser homem ou mulher não diz respeito apenas ao físico, mas também ao temperamento, personalidade...
Ct 2,1-6: "- Sou um narciso de Saron, uma açucena dos vales. - Como açucena entre espinhos é minha amada entre as donzelas. Macieira entre as árvores do bosque é amada entre os jovens; à sua sombra eu quis assentar-me, com seu doce fruto na boca. Levou-me à adega e contra mim desfralda sua bandeira de amor. Sustentai-me com bolos de passas, dai-me forças com maçãs, oh! que estou doente de amor... Sua mão esquerda está sob minha cabeça, e com a direita me abraça".
Ct  6,1-3: "Onde anda o teu amado, ó mais bela das mulheres? Aonde foi o teu amado? Iremos buscá-lo contigo! Meu amado desceu ao seu jardim, aos terrenos das balsameiras, foi pastorear nos jardins e colher açucenas. Eu sou do meu amado, e meu amado é meu, pastor das açucenas".
Ct 7,11-8,3: "Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim. Vem, meu amado, vamos ao campo pernoitar sob os cedros; madruguemos pelas vinhas, vejamos se a vinha floresce, se os botões estão se abrindo, se as romeiras vão florindo; lá te darei meu amor... As mandrágoras exalam seu perfume; à nossa porta há de todos os frutos; frutos novos, frutos secos, que eu tinha guardado, meu amado, para ti. Ah! Se fosses meu irmão, amamentando aos seios da minha mãe. Encontrando-te fora, eu te beijaria, sem ninguém me desprezar; eu te levaria, te introduziria na casa de minha mãe, e tu me iniciarias; dar-te-ia a beber vinho perfumado e licor de minhas romeiras. Sua mão esquerda está sob minha cabeça, e com a direita me abraça".     

Para meditar os textos cantando
VALSINHA (Vinícius de Morais e Chico Buarque)
- Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar, olhou-a dum jeito mais quente do que sempre costumava olhar. E não maldisse a vida tanto quanto era o seu jeito de sempre falar. E nem a deixou só num canto, para seu espanto convidou-a pra rodar.
- Então se fez bonita como há muito tempo não queria ousar. Com seu vestido decotado, cheirando a guardado de tanto esperar. Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se ousava dar. E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar.
- E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou. E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou. E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais. Que o mundo compreendeu e o dia amanheceu em paz...

Sensualidade (e afetividade) - Caetano Veloso diz na sua música ‘Dom de iludir': "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Em outra música ‘Você é linda' diz assim: "Você é forte, dentes e músculos, peitos e lábios,... gosto de ver, você no seu ritmo... sentir seu estilo, ir ao seu íntimo...". É o prazer de viver. É aquilo que é gostoso, bonito, cheio de graça, de vida, de força de brilho e de afetividade. Sensualidade é característica de quem se aceita, tem fé na vida, assume-se como é, sabe viver no presente com liberdade e responsabilidade.
Ct 1,5a.: "Sou morena, mas formosa". 1,9-16: "Minha amada, eu te comparo à égua atrelada ao carro do Faraó! Que beleza tuas faces entre os brincos, teu pescoço, com colares! Far-te-emos pingentes de ouro cravejados de prata. Enquanto o rei está em seu divã meu nardo difunde seu perfume. Um saquinho de mirra é para mim meu amado repousando entre meus seios; meu amado é para mim um cacho de cipro florido entre as vinhas de engadi. - como és bela, minha amada, como és bela!

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