Meu
filho Marcos, de 14 anos, saiu hoje de bicicleta para a escola de
teatro e arte. Menos de vinte minutos depois, toca o celular. Vendo que
era seu número, atendi como de costume: “Oi, filho!”.
O
susto foi grande ao ser surpreendido com uma voz que não era a dele:
“Você conhece o dono desse celular? O que você é dele?” Para o coração
de um pai, um súbito e rápido silêncio parece durar muito mais tempo. O
pensamento vai longe: “Caiu da bicicleta? Foi atropelado? Se tivéssemos
ciclovia... Ou será mesmo um sequestro?”.
Não
sei com que tom de voz respondi. Mas da outra ponta a resposta,
portadora de alívio, parecia vindo dos céus: “Não é nada não, moço, é
que eu achei esse celular caído aqui na rua e queria devolver. Liguei
então para o último número discado. Você sabe de quem é?”.
Combinamos
o local, fui até lá. Deparei-me com um adolescente negro e fico feliz
que não preciso aqui apenas colocar as iniciais. Seu nome é Nelson.
Sentado na calçada, me aguardava para devolver o aparelho... Olhei fundo
nos seus olhos... Talvez ele não tenha entendido por que as lágrimas
vieram nos meus...
Olhei
fundo nos seus olhos e imediatamente pensei: “Essa noite, o Congresso
tentou votar a redução da maioridade penal... bancada da Bíblia, do Boi,
da Bala... A grande mídia, a serviço desse ‘BBB’, não daria importância
à minha história. Fato corriqueiro, nem ‘daria notícia’. Notícias são
as que eles fabricam!”.
Voltei
para casa com o sorriso de Nelson impregnado em minha alma. Era um
sorriso de gratidão. Mas voltei pensando: “Garoto negro e pobre de
periferia... Por que meu filho num projeto de arte, música e teatro e
ele não? O que estamos fazendo com os seus sonhos? Será que ele tem ‘boa
índole’ e seus amigos também negros, fichados e expostos nas manchetes,
não? Por que a mídia ‘martela’ tanto em nossas mentes casos de ‘menores
infratores’?”.
Uma
certeza eu tenho: tivéssemos nós um pouquinho mais de espaço na TV para
contar histórias tão comuns como essa, as “pesquisas de opinião” seriam
absolutamente contra a redução da maioridade penal! Por isso estou
contando. Confesso que achei que a gratidão de Nelson também se deve ao
fato de que a redução da maioridade penal não foi ainda aprovada. E que
não venha a ser!
Edmilson Schinelo,
Campo Grande/MS, 1º de julho de 2014.
NOTA:
Escrevi o texto durante a manobra do presidente da Câmara, que forçou
nova votação e primeira aprovação emenda à PEC 171. Ao invés de
desanimar, reafirmamos nosso compromisso em favor da vida e da dignidade
da juventude!
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