sábado, 14 de novembro de 2015

Integração entre religiões para superar entraves históricos

blog pjoteiro

Reprodução<br>Fonte: http://www.conic.org.br/
"É preciso assumir que as religiões são diferentes e, justamente por isto, são preciosas e necessárias no mundo plural e diverso em que vivemos. O respeito à religião do outro/da outra é o maior testemunho de fé que uma pessoa pode dar”. Quem defende é a diretora executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), reverenda Sônia Mota. Em entrevista exclusiva à Adital, Sônia, que é teóloga e membro da Igreja Presbiteriana Unida, afirma que a segregação, o preconceito, os atos de vandalismo praticados contra espaços sagrados, a violência psíquica, simbólica e física, que vitimizam as pessoas, são amostras dessa forma exclusivista de se perceber a religião.
 
Mais do que a simples convivência, a integração e o diálogo para a superação de conflitos entre as instituições que representam as variadas religiões no país são meios para a superação de entraves históricos. "Ele possibilita questionar e criticar aspectos da própria religião e, se for preciso, estabelecer outras formas de convivência, em que todos e todas tenham seus direitos respeitados e possam viver em paz”, diz a diretora da Cese, que é adepta da Teologia da Libertação.
 
Assunto discutido na 15ª edição da Campanha Primavera para a Vida, com o tema "Eu respeito a diversidade religiosa. E você?”, promovida pela Cese, o reconhecimento da pluralidade religiosa é um ponto fundamental para que todas as religiões possam se manifestar e serem incluídas nas políticas públicas de Estado. No Brasil, que constitucionalmente se afirma como laico, a reverenda destaca que o que se tem visto são representantes do Poder Legislativo e do Judiciário atuando, no exercício das suas funções, a partir de seus valores e crenças religiosas.
 
"Um Estado laico deveria pautar suas políticas públicas a partir da necessidade e dos anseios dos cidadãos e cidadãs, manifestados por meio do voto, plebiscito ou outra forma de expressão da vontade popular, e não baseados numa religião específica”, ressalta Sônia. Confira:
 
ADITAL - O tema da 15ª edição da Campanha Primavera para a Vida é "Eu respeito a diversidade religiosa. E você?”. O que vocês compreendem como "respeito” nesse contexto e como promovê-lo entre os povos e instituições?
 
Sônia Mota - Quando escolhemos o tema da Campanha deste ano, conscientemente, optamos pela palavra "respeito”, por entendermos que esta deve ser a postura de quem, independentemente da fé que professa, é capaz de acolher a alteridade e perceber a riqueza e peculiaridade de outras tradições religiosas. Respeitar a opção de fé da outra pessoa é acolher positivamente a diversidade religiosa como expressão da vontade de Deus, que também se manifesta por meio da riqueza da diversidade de culturas e religiões. É preciso assumir que as religiões são diferentes e, justamente por isto, são preciosas e necessárias no mundo plural e diverso em que vivemos. O respeito à religião do outro/da outra é o maior testemunho de fé que uma pessoa pode dar.
 
Não sei se temos a receita de como "promover o respeito entre povos e instituições”. A nossa forma de dar a nossa contribuição é promover, incentivar, participar e estabelecer fóruns de diálogo e de coexistência religiosa, por meio de campanhas e atividades, nas quais as diversas religiões possam dialogar e agir em conjunto. Também apoiamos pequenos projetos e ações de fortalecimento da defesa e do diálogo religioso.
 
No Brasil, existem várias iniciativas de diálogo entre religiões, e também existem ações concretas acontecendo como a marcha das religiões contra a intolerância religiosa; ações em defesa de povos tradicionais e do direito a seus territórios — como, recentemente, a Missão Ecumênica em defesa dos Guarani-kaiowá, no [estado do] Mato Grosso do Sul; e ações em defesa dos imigrantes e contra a xenofobia. Muitas vezes, uma ação concreta em defesa da vida e dos direitos é o início de um diálogo e, de repente, percebemos que estamos unidos por uma solidariedade e pelo compromisso incondicional com a defesa de direitos.
 
ADITAL - A intolerância religiosa parte do pressuposto de que a religião do outro é pecadora e deve ser exterminada, para que o outro renuncie e se adeque a uma religião alheia. Quais os impactos negativos que essa perspectiva de fé exclusivista pode provocar na vida das pessoas, especialmente se a perseguição (com ou sem conversão) ocorre por meio da coerção e violência?
 
SM - A base de sustentação das religiões deveria ser o amor e o respeito. Lamentavelmente, muitas religiões estão se deixando influenciar por discursos e práticas que fomentam a intolerância e a demonização da religião do/a outro/a. Temos assistido a casos de grupos extremistas crescendo e atrocidades sendo cometidas nos últimos tempos. A mais visível talvez sejam as atrocidades praticadas pelos fanáticos de grupos, como o Estado Islâmico, Boko Haram. Vemos essa posição de intolerância e demonização até mesmo entre cristãos de diferentes denominações.
 
Embora o Brasil seja um país majoritariamente cristão, é fato que o pluralismo religioso faz parte da nossa cultura. Esta diversidade religiosa, que deveria ser algo a nos orgulhar, torna-se um problema quando posturas exclusivistas tentam apagar a riqueza da diversidade de olhares e de maneiras de viver a fé. Exclusivismos, verdades absolutas e inquestionáveis, demonização da religião do outro não contribuem para uma cultura de paz, que é o que, a princípio, as religiões defendem. Ao contrário, este tipo de atitude só gera violência.
 
Aliás, temos assistido a inúmeros casos de conflitos religiosos também aqui no Brasil, em especial contra religiões de matriz africana. A segregação, o preconceito, os atos de vandalismo praticados contra espaços sagrados, a violência psíquica, simbólica e física, que vitimizam as pessoas, são amostras dessa forma exclusivista de se perceber a religião. O que mais causa espanto é que muitas dessas atitudes são tomadas em nome de Deus. Mas, pergunta-se, de que Deus estamos falando? Posições desrespeitosas, violentas, não condizem com nenhuma religião, já que todas elas têm como princípio a promoção da paz. Como pastora de uma igreja protestante e diretora de uma organização ecumênica, me sinto profundamente atingida quando fatos dessa natureza acontecem. Essas pessoas, esses grupos definitivamente não representam o Deus de Jesus Cristo que eu professo.
 
ADITAL - Como isso se dá especificamente na América Latina, majoritariamente cristã, católica, porém sincretizada com religiões de referência africana e ameríndia, mas, nem por isso, livre de intolerância religiosa?
 
SM – Aqui, é bom fazer um esclarecimento. O sincretismo foi uma forma encontrada pelos africanos que aqui foram escravizados para desviarem a atenção da Igreja, e como forma de evitar perseguições por parte dos jesuítas e senhores de escravos, que eram contra a prática da religião que os negros trouxeram da África. Hoje, esse sincretismo não é mais aceito pelas religiões de matriz africana.
 
A Mãe Stela de Oxóssi, do terreiro Ilé Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro, na cidade de Salvador (Estado da Bahia), uma das lideranças mais respeitadas do Candomblé, se coloca contra esta tradição. Para ela, sincretismo "é a fusão de duas religiões, uma mistura sem base que não corresponde a nada. Então, não adianta dizer que tal caboclo corresponde a um santo, que tal orixá a outro santo, se não existe base que fundamente isso”. Essa posição mostra a independência das religiões de matriz africana com relação ao Catolicismo e a necessidade de colocar cada religião em seu lugar, com seus símbolos e tradições.
 
Mas é verdade que aqui, na América Latina, existe uma intolerância muito grande, especialmente contra as religiões de matriz africana e as religiões ameríndias. Porém, é importante desvelar o que vem junto com esta intolerância. Nunca ela é contra uma religião hegemônica, é sempre contra religiões minoritárias, se considerarmos os dados oficiais do censo e, no caso das religiões de matriz africana, a intolerância vem acompanhada também de forte conteúdo racista.
 
ADITAL - A trajetória missionária cristã contém diversos períodos em que praticou a perseguição e a repressão às demais religiões e orientações espirituais, especialmente a partir do momento em que a Igreja Católica se tornou hegemônica no mundo ocidental. Como a prática missionária tem sido pensada hoje?
 
SM - O capítulo da ação missionária cristã nos envergonha. De uma religião perseguida em seus primórdios, o Cristianismo passou a ser perseguidora logo que se tornou a religião oficial no Império Romano. A cruz e a espada fazem parte de uma história de sangue e dor para muitos povos. Essa forma de atuação missionária não foi exclusividade da Igreja Católica. Muitas missões protestantes também impuseram sua crença, seus ritos e símbolos, desrespeitando culturas, ignorando tradições e sufocando identidades.
 
Infelizmente, ainda hoje, essa é a prática de muitas igrejas que se dizem cristãs. Lamentavelmente, nas suas ações missionárias, muitas igrejas têm-se revelado ainda bastante intolerantes. No caso do Brasil, em especial, essa perseguição tem tido endereço certo: são as religiões de matriz africana e indígenas. A utilização de textos bíblicos interpretados sem nenhuma contextualização, nem uma interpretação séria, infelizmente, tem servido para justificar e legitimar casos de violência e desrespeito. Porém, na própria Bíblia, é possível encontrar inúmeros textos que desconstroem esse agir e nos apontam para o diálogo e o respeito ao diferente e a outras culturas.
 
No entanto, há esforços acontecendo em todo mundo para que haja uma outra visão de missão. O surgimento do Conselho Mundial de Igrejas se dá num contexto de disputas de agências missionárias. Depois de um longo período de brigas, as igrejas deram-se conta que este era um mau testemunho. Embora ainda tenhamos muitas disputas no campo missionário, existem igrejas e organizações ecumênicas comprometidas com outra postura.
 
A ação missionária diante de um mundo plural e globalizado não pode ser marcada pela força hegemônica de uma igreja ou de uma tradição religiosa. Ela precisa estar alicercada no espírito do diálogo e do respeito às tradições e, acima de tudo, pautada na responsabilidade com o mundo habitado: a oikoumene. Isto significa uma postura de responsabilidade em favor do bem estar de toda criação.
 
Neste sentido, a motivação missionária não é a "conversão” do/a outro/a para a minha religião ou a implantação de igrejas. A motivação é o amor e a meta é o Reino de Deus e a inclusão de todos e todas na promoção da justiça, da paz, da compaixão, do respeito e da fraternidade entre os povos. Uma ação missionária ecumênica exige uma postura política diante do mundo. Exige que, muitas vezes, façamos crítica à própria religião, quando ela passa a compactuar com esquemas que levam à morte, que geram violência e que destroem povos, culturas e tradições.
 
ADITAL - Ainda hoje, há missões de religiões cristãs, especialmente evangélicas, que se empenham em ações de evangelização de povos indígenas. Como vê esse tipo de prática na atualidade?
 
SM - Com muita atenção e preocupação. Não quero afirmar aqui que toda ação missionária tem sido prejudicial. Até acredito que tenha pontos positivos, mas me preocupa uma ação missionária cuja meta é implantar igrejas nos territórios indígenas, sem respeitar as tradições que já existem. Estive, na última semana [início de outubro], participando de uma Missão Ecumênica no Mato Grosso do Sul, em solidariedade aos Guarani-Kaiowá, mas estive também com outras etnias. Pude escutar algumas vozes lamentando que alguns grupos estão perdendo sua identidade e sua força por causa do abandono das tradições, causando até mesmo desagregação entre os próprios grupos.
 
Nós sabemos que, quando os invasores europeus chegaram ao território latino-americano, a primeira coisa que fizeram foi tirar a língua e a religião dos povos tradicionais e, assim, os enfraqueceram, ficando mais fácil dominá-los. Tenho muita preocupação que isto esteja acontecendo de novo. Me encantou a forma como os Guarani-Kaiowá conservam suas danças, seus ritos e sua forma de viverem a sua religiosidade. É algo que nos toca e também nos ensina como, mesmo diante de tanta dor e sofrimento, eles tiram forças para seguirem lutando e alimentando a esperança.
 
Na minha opinião, a melhor ação missionária que podemos prestar aos povos indígenas é caminhar ao lado deles, denunciando os descasos, assassinatos e toda sorte de violência a que estão sendo submetidos. Uma ação missionária que dialogue e respeite os seus princípios, a sua religiosidade, seus usos e costumes.
 
A Cese realizou, de 07 a 08 de outubro, em parceria com o Centro de Estudos Bíblicos (Cebi) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a Missão Ecumênica em apoio aos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Além de influenciar para instalação da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] do Genocídio Indígena, a ação também apoia a campanha de boicote à carne e à soja produzidas no Estado, que estão manchadas com sangue dos povos originários. Esta campanha está tendo repercussão em outros países e esperamos causar impacto aqui no Brasil, pois queremos ver os direitos indígenas respeitados e assegurados. Considero esta uma boa ação missionária.
 
ADITAL - De que maneira o diálogo inter-religioso pode contribuir para superar violências, preconceitos, segregação de pessoas e negação de identidades?
 
SM - Como disse o Dalai Lama: "é muito importante entender que um relacionamento entre várias religiões é essencial para que diferentes grupos religiosos possam trabalhar juntos e realizar um esforço comum para o benefício da humanidade”. Seguindo esta lógica, é importante que as diferentes religiões busquem uma pauta comum em favor da vida e que, juntas, apontem caminhos que promovam a paz e a justiça. A própria Cese surge em 1973 a partir desta visão, ou seja, igrejas que se unem para, juntas, atuarem na defesa e garantia de direitos.
 
As grandes questões que afetam a humanidade e toda a criação requerem também uma resposta teológica. A abertura para um diálogo honesto, numa perspectiva libertadora, pode ajudar as diversas tradições religiosas a se abrirem para uma escuta verdadeira, na qual o outro/a outra não é meu adversário, meu oponente. O diálogo inter-religioso, embora ainda seja um desafio a ser vencido, é fundamental para os tempos atuais. O teólogo católico Hans Küng afirma que a paz no mundo é impossível sem a paz entre as religiões, e que a paz entre as religiões é impossível sem o diálogo entre as mesmas.
 
ADITAL - Qual o papel das instituições religiosas na promoção da integração das religiões? Imagino que a superação dos conflitos vai além da simples convivência ecumênica.
 
SM - Elas têm um papel fundamental para essa integração que, certamente, vai muito além da convivência. Existem, sim, muitos aspectos que são trabalhados para a superação dos conflitos. Acho que é importante e honesto reconhecer que temos diferenças, mas os diálogos bilaterais entre as religiões têm sido importantes para a superação de entraves históricos.
 
Muitas iniciativas ao redor de todo mundo têm inspirado as religiões a seguirem o caminho da superação de conflitos. Sabemos que, na Faixa de Gaza [Palestina], existem programas de cooperação entre palestinos e judeus pelo fim do conflito na região. Este é um bom exemplo para muitas religiões. Aqui no Brasil, o CONIC do Rio de Janeiro lançou uma campanha de doações para reconstruir um terreiro de Candomblé que foi destruído pelo fogo, por conta de um ato de intolerância religiosa. A Cese, quando apoia rodas de diálogo e promove encontros, jornadas e ações de diálogo e convivência. Tenho certeza de que outros exemplos tão fortes quanto estes, para a superação de conflitos, estão acontecendo em diversos lugares do mundo e que nos servem de inspiração.
 
O ecumenismo vai muito além da convivência ou do anseio pela unidade dos cristãos ou, ainda que desejado, vai além do diálogo entre judeus e muçulmanos e além da convivência pacífica entre cristãos e seguidores das religiões de matriz africana. O ecumenismo é a postura que nos impulsiona para estabelecermos outras formas de viver e estar no mundo. Ele possibilita questionar e criticar aspectos da própria religião e, se for preciso, estabelecer outras formas de convivência, nas quais todos e todas tenham seus direitos respeitados e possam viver em paz.
 
ADITAL - Nossas sociedades estão em contínuo processo de mudança e, com isto, nossas religiões. Como isso atua no movimento de interconexão/associação religiosa, especialmente no contexto da América Latina?
 
SM - Se as religiões estão em constante processo de mudança, para adequarem-se às novas questões que surgem da sociedade e da vida das pessoas, isto deve ser considerado positivo. Negativo seria permanecer repetindo dogmas do passado, que passam ao largo das necessidades humanas. O problema que surge com as mudanças cada vez mais rápidas dentro de um inegável processo de globalização é que grupos religiosos se sentem ameaçados em sua identidade, com a relativização de valores também religiosos que acompanha essas mudanças sociais e, por medo, buscam construir barreiras em torno de suas convicções.
 
Este é um dos motivos mais fortes que fizeram recrudescer os atuais fundamentalismos. No entanto, as mudanças com a globalização também nos fazem ver os problemas que temos em comum, oportunizando um trabalho, em conjunto, de religiões e igrejas em benefício da coletividade, seja mundial, seja continental ou local.
 
ADITAL - Como avalia a presença da religião no Estado? No caso do Brasil, Estado laico, a forte presença das instituições cristãs, católica e evangélica, em decisões do Legislativo, por exemplo, e no favorecimento de políticas públicas.
 
SM - Vejo com grande preocupação. A laicidade do Estado brasileiro está fortemente ameaçada. Um Estado laico deve zelar, em primeiro lugar, pela livre manifestação de todas as religiões, sem se deixar guiar por pressões religiosas. Em um país que, constitucionalmente, se afirma como laico, temos visto representantes do Poder Legislativo e do Judiciário atuando, no exercício das suas funções, a partir de seus valores e crenças religiosas. Um Estado laico deveria pautar suas políticas públicas a partir da necessidade e dos anseios dos cidadãos e cidadãs, manifestados por meio do voto, plebiscito ou outra forma de expressão da vontade popular, e não baseados numa religião específica.
 
O atentado ao Estado laico tem se manifestado, nos últimos anos, sobretudo, para interferir em políticas públicas no que diz respeito à sexualidade humana. Juízes usam a religião para legitimarem violência doméstica, políticas públicas sobre o corpo e a sexualidade feminina são pautadas por religião, a disputa pelo conceito de família continua usando moldes religiosos. O recém-aprovado Estatuto da Família estipula o conceito de família apenas ao formato restrito à heterossexualidade e à obrigação patriarcal de produzir filhos biológicos, ofende os casais homoafetivos e revela um retrocesso histórico na luta e direitos LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros] e de todos os direitos civis e constitucionais. É um projeto baseado em uma interpretação do Evangelho, numa flagrante afronta e violação do Estado laico.
 
No país em que é possibilitado a um parlamentar representar os interesses de sua comunidade de fé, mesmo que o Congresso Nacional e a Corte Suprema sejam instâncias da razão pública, o aspecto religioso foi e continua a ser determinante para a legitimação do poder político. As crenças pessoais de parlamentares tornam-se bandeiras políticas, de forma que estamos continuamente sendo vítimas de um Estado religioso constitucionalmente afirmado e reconhecido como laico. Precisamos discutir, aprofundar e exigir a volta do Estado laico de direito e de fato, ou corremos o risco de instituir aqui uma "cristocracia” no que tem de mais fundamentalista.
 
ADITAL - Qual a importância do reconhecimento e da valorização institucional das religiões em sua diversidade na América Latina?
 
SM - O cenário religioso no mundo globalizado se destaca por sua informalidade, pela diluição de limites rígidos entre igrejas e religiões, pela possibilidade de cada indivíduo, por assim dizer, escolher aspectos de diversas igrejas ou religiões para construir um mosaico próprio de crenças e, assim, pela relativização de valores, antes tidos como absolutos. Esse fenômeno tem aspectos positivos e negativos. Entre os aspectos negativos está a dificuldade de promover um diálogo frutífero com as mais diversas individualidades.
 
E o diálogo ecumênico e inter-religioso, para ser eficaz e transformador, deve poder apoiar-se nas convicções de uma instância que represente um coletivo, ou seja, as igrejas ou religiões devem estar conscientes das suas crenças fundamentais, que as impulsionam a agir de forma profética e transformadora, e devem poder elaborar estratégias para o que consideram sua missão na sociedade. Somente instituições que sejam uma autêntica representação de um coletivo religioso, com convicções próprias, podem discutir, em conjunto com seus pares, estratégias eficazes de transformação. Parodiando Dom Hélder Câmara, os sonhos individuais devem fundir-se num grande sonho coletivo para poderem concretizar-se.


Fonte: http://www.conic.org.br

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