sábado, 28 de junho de 2014

Mt 10.40-42: Observar todas as coisas que acontecem debaixo do sol [Carlos Musskopf]




Ceia
Para este domingo (29/06), publicamos duas meditações. Uma para asigrejas protestantes e evangélicas que mantêm o Lecionário Comum (Mt 10.40-42) outra para a tradição católico-romana (que opta pelo texto de Mt 16,13-19, porque a festa de São Pedro e São Paulo).
MT 10.40-42
 
A visitação é uma prática comum em nossas comunidades. Em alguns lugares, as visitas são realizadas exclusivamente por pessoas que representam o ministério ordenado; em outros lugares, em combinação com grupos de visitação; e ainda em outros, só por visitadoras leigas. Importante é que as pessoas que fazem a visita se saibam enviadas por Jesus Cristo e que entrem na casa e na vida de alguém em nome do Senhor. Que sejam preparadas para ser agentes da justiça restaurativa nos lares.
 
Receber visita, receber recompensa, ficar com a recompensa – isso acontece com as pessoas que fazem o que é certo, que fazem o que Deus quer. Fica no ar o que acontece com as pessoas que não acolhem os visitadores, que não reagem à mensagem trazida na visita. Sim, vêm à mente todos os textos que falam de vingança, de justiça retributiva, ou seja, da justiça feita com punição e, de preferência, com dor.
  
A teologia da retribuição afirma que saúde, riquezas, filhos e vida longa eram sinais de que aquela pessoa estava realmente cumprindo a vontade de Deus. O contrário também é verdade. Pobreza, doenças, ausência de filhos são concebidas como consequências da não observância das leis de Deus e, desse modo, como um castigo de Deus.
 
A mensagem de Mateus 10.40-42 é “observar todas as coisas que acontecem debaixo do sol”. Nessa observação, pode-se perceber a fraqueza do princípio de causa e efeito. Na vida de igreja, verificamos que há justos que sofrem e injustos que recebem a sorte dos justos. Qual a consequência de ser uma pessoa seguidora de Jesus Cristo? Nos versículos precedentes de Mateus 10 (v. 13 e 14, p. ex.), o tom é ameaçador. Nos últimos três versículos, muda o foco. Não há mais ameaças, mas Jesus introduz a teologia afirmativa da restauração. Informa que a aceitação de sua pregação não está relacionada a qualquer tipo de restituição, e sim à restauração da dignidade das pessoas ouvintes. O v. 42 diz que a pessoa caridosa, solidária não perderá seu galardão. “Não perder” é uma coisa; “deixar de ganhar” é bem outra. O texto afirma o galardão de quem já o tem.
Para chegar a essa conclusão, precisamos entender o uso do termo grego misthos, que é traduzido nas diversas edições brasileiras da Bíblia por galardão, recompensa, salário, recebimento. As edições de Almeida e da NTLH até mesmo colocam o título: As recompensas. Isso dá a entender que quem pratica o bem ganha alguma recompensa. Mas, a partir de uma visão de restauração, o galardão rompe com a compreensão de recompensa, tanto no sentido de vantagem adquirida como no de ameaça. Não sendo de recompensa, a mensagem do texto aponta para mudanças nos critérios de valorização. Isso deve ser valorizado. A valorização do ser humano passa pela restauração das relações rompidas, seja pela falta de respeito a profetas e pessoas de fé, seja por não dar um simples copo de água. Essa ruptura não leva ao castigo, nem a sacar o galardão, mas motiva, incentiva a pessoa a repensar e restaurar.
Chama a atenção o título colocado na “Luther Bibel”:Aufnahme um Jesu willen (acolhimento por causa de Jesus). Nota-se que ele já vem com uma interpretação mais avançada do que os títulos das versões antes mencionadas.
 
Mais três pensamentos sobre o texto:

1 – O texto rompe com a sabedoria clássica de Israel, que preconiza uma relação de causa-e-efeito típica da tradição teológica judaica e introduz a graça, a equiparação graciosa, livre das recompensas;

2 – O julgamento a que estaremos sujeitos no fim dos tempos antecipa-se na fé e nas atitudes que tomamos na vida diária a partir da fé;

3 – O texto rompe com o comércio, a barganha com Deus, com a mentalidade de troca: dinheiro por bênção.

Visto assim, o termo galardão perde o sentido de recompensa como cura, milagre ou prosperidade, mas ganha o sentido de fé na salvação em Jesus Cristo.
 
 
Imagens para a prédica

A prédica poderá abordar a diferença entre uma justiça retributiva e uma justiça restaurativa. A maior parte das sociedades conhecidas na história da humanidade construiu uma ideia de justiça retributiva. “Aprontou, tem que pagar. ” Chega-se ao cúmulo de afirmar que “bandido bom é bandido morto”, ou seja, a retribuição pelo mal cometido tem que ser por meio de uma punição. E quanto maior a punição, melhor. A Bíblia também está cheia dessa mentalidade. Mas a Bíblia também nos dá outros caminhos. A justiça restaurativa é um deles.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: Este programa reúne pessoas envolvidas e afetadas por um fato delituoso para dialogar sobre o crime e suas consequências. Busca reparação de prejuízos emocionais, morais e materiais e restauração da relação entre vítima e réu. É um procedimento voluntário, “um meio para a formação da cultura de paz” (Disponível em: ). Esse jeito de encarar os seres humanos e suas características adéqua-se bem ao que Jesus propõe na composição de Mateus: uma sociedade voltada para a valorização integral das pessoas e não apenas o quanto elas valem para o sistema.

Uma historinha que pode ilustrar a prédica é a do vendedor de balões: Era uma vez um velho homem que vendia balões numa quermesse. Evidentemente, o homem era um bom vendedor, pois deixou um balão vermelho soltar-se e elevar-se nos ares, atraindo, desse modo, uma multidão de jovens compradores de balões.

Havia ali perto um menino negro. Estava observando o vendedor e, é claro, apreciando os balões. Depois de ter soltado o balão vermelho, o homem soltou um azul, depois um amarelo e finalmente um branco. Todos foram subindo até sumir de vista. O menino, de olhar atento, seguia cada um. Ficava imaginando mil coisas...

Uma coisa o aborrecia: o homem não soltava o balão preto. Então se aproximou do vendedor e perguntou:

– Moço, se o senhor soltasse o balão preto, ele subiria tanto quanto os outros?

O vendedor de balões sorriu compreensivamente para o menino, arrebentou a linha que prendia o balão preto e, enquanto ele se elevava nos ares, disse:
– Filho, não é a cor; é o que está dentro dele que o faz subir.

O que está dentro de cada pessoa e fá-la subir são o galardão, o valor, a herança, a dignidade conferida por Deus – patrimônio que não pode ser retirado nem desvalorizado por nenhum sistema social, cultural ou religioso.

Outra imagem que pode ser usada é a da multa de trânsito por uma transgressão. A teologia da restituição não afirma que a multa não vem. Vem, mas já com o carimbo de PAGA, pelo que Jesus fez na cruz por nós.
 
Carlos Musskopf - Pastor IECLB (Proclamar Libertação - Volume: XXXVIII)
 

Fonte: IECLB - www.luteranos.com.br

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